domingo, 30 de junho de 2013

À volta de uma palavra

Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.  

Albertina Vaz

Quando penso numa palavra, solta-se-me sempre a palavra “amigo”. E amigo é bom, é aconchegante, sabe bem quando soa o toque do sino no alto da montanha. Amigo é um calor no peito e um sabor a gelado na boca; amigo é uma flor que se colhe e uma borboleta que esvoaça; amigo é um canto que se ouve ao longe e se vem chegando devagarinho. Amigo é uma estrela que se esconde e um som que brilha cintilante e a mil cores.
Amigo é amigo e nada mais!
Amigo é amigo e nada mais!
Amigo pode estar longe mas sabemo-lo sempre perto; amigo é o toque dum telefone, uma mensagem, um e-mail - ou longos dias de silêncio que se esvaem pela planície e parecem não chegar nunca ao fim dum arco íris que se desenha na linha do horizonte.
Os amigos escolhem-se ou talvez não! Um amigo pode ser um companheiro que sempre nos acolhe, um parceiro que voga pelos nossos caminhos, um igual que nos acarinha, um semelhante que nos contraria, um par que nos ajuda, um amante que connosco partilha passo a passo os dias de sol e as noites geladas.
Mas um amigo pode ser alguém que nos contraria, nos encontra, nos despista, nos confronta, nos agasalha - sem palavras, sem gestos, sem promessas. Pode ser um desconhecido que se cruza connosco numa esquina florida ou numa ruela discreta; pode ser um anónimo que se atravessa e nos diz: bom dia!
Um amigo pode ser um acordo ou um permanente desacordo, mas, mesmo assim, um amigo
Pode ser um sonho,
mas nunca é uma utopia
é um amigo e sabe a flores silvestres e giestas coloridas em dias de Primavera, quando o sol nasce e a lua se esconde por detrás da quimera. Pode ser um sonho, mas nunca é uma utopia.
Grave mesmo é quando um amigo se perde; grave mesmo é quando um amigo engana o seu amigo. Aí quebra-se o elo de união e os amigos deixam de o ser e as noites passam a ser mais longas e mais distantes e os dias começam a arrastar-se num pesadelo do não querer, das recordações que se querem esquecer e das lembranças que pretendemos olvidar.
E é então que a palavra amigo dá lugar a outra bem mais triste e cinzenta. É uma palavra a preto e branco, com um fragância sem cheiro e um sabor sem gosto: traidor! Ser traído por um amigo é como perder a possibilidade de ver a vida a cores. E as amizades morrem e os amigos tornam-se inimigos ou passam a ser indiferentes. Encontram-se e dão grandes abraços e sorriem muito e dão gargalhadas, daquelas que fazem mover a cabeça, mas soam a disfarçado e ensurdecem sem se ouvir.
Amigo não tem contrário
A distância pode separar os amigos mas a traição acaba com a palavra amigo e destrói a amizade. Aí não há nada que os volte a unir, porque a distância pode ser longe mas tem sempre uma volta, uma roda redonda que se chama reencontro e sabe a maresia e cheira a sal. A traição porém cava fundo e não cede ao reencontro: fica lá onde tudo parece não se esquecer e onde a sombra se escurece.
Às vezes perdemos um amigo por um pedacinho de nada, mas ele vai-se e é tão difícil trazê-lo de volta! Às vezes nunca mais o temos de volta. E é triste perder um amigo, porque um amigo é uma coisa rara que se esconde por entre os caminhos sinuosos dum carreiro que não tem fim.
O contrário da palavra amigo? Não sei, acho que amigo não tem contrário! Podia ser inimigo mas não se é inimigo de um amigo; por isso mesmo amigo não tem contrário. Ou se é ou se não é, não há meio-termo, não se pode ficar nas entrelinhas nem se esconde no sótão esquecido duma casa sem teto.
... basta-me escrever AMIGO e logo o sol se vem
É por isso que quando abro uma folha em branco e me sinto triste, sem palavras, sem sorrisos basta-me escrever AMIGO e logo o sol se vem: é que eu tenho um Amigo e sei que no dia em que a tristeza me invada ou a alegria se apodere de mim ele está lá, à minha espera, com um abraço apertado e uma flor no coração. 

12 comentários:

  1. Ao ler o seu texto sobre a amizade,acentuaram-se no meu eu, os conceitos que tenho sobre a mesma e o quanto doi quando um Amigo não se aproxima,quando precisamos dele. Pois é isso mesmo; O amigo vai e é tão difícil trazê-lo de volta.Gostei muito do seu texto, Albertina.

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  2. Se tivesse havido um esquecimento e não aparecesse o nome da autora deste texto, saberíamos a sua autoria: o estilo da sua prosa pausada, colorida e quente não deixaria margem para dúvidas.
    Agora, amigo, eu penso que não é possível perder nenhum. Quando acontece uma traição, como o texto refere, uma reflexão retrospetiva descobre que, do lado de quem traiu, o que havia era tudo menos amigo. Contudo, fica sempre uma mágoa, por termos inadvertidamente projetado em alguém a aura de AMIGO. E então, reforçamos a amizade com os amigos!!!

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  3. Albertina, este teu trabalho tem sem dúvida a qualidade e a sensibilidade a que nos habituaste. Para além de te dar os parabéns, só me resta dizer-te que me sinto muito feliz por sermos amigas.

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  4. Que bem que faz ler um texto assim! Não sei se a Albertina escreve poesia, mas para mim isto é poesia ou chamem-lhe o que quiserem...
    Os amigos, quanto a mim, os verdadeiros não se perdem.Perdem-se aqueles que nós pensávamos que eram amigos.Mas chega a hora...e aí a gente vê...
    Por, vezes, a amizade, vem donde menos se espera.

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  5. "Ser amigo é mesmo o contrário de inimigo" disse eu no meu texto. Agora dizes tu "Acho que amigo não tem contrário!" Dois percursos retóricos? Visão diferente sobre algo tão importante? A cumplicidade da vida já vivida é notória pela forma como ambos abordámos o tema (obviamente, com a devida distância da qualidade literária!). Claro que são sempre os mais fracos que são obrigados a ceder e assim nada mais me resta que virar o inimigo ao contrário.

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    1. Há situações em que o reverso é tão verdadeiro como o verso. Ou seja, são duas verdades paralelas.

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  6. Amigo "Pode ser um desconhecido... pode ser um anónimo que se atravessa e nos diz: bom dia!"
    Sim, amigo pode ser o que nos oferece o ombro quando a nossa taça de amargura transborda ou aquele, qualquer um, que se cruza connosco e que, com uma saudação,umas breves palavras, um simples sorriso nos faz sentir que vale a pena viver.
    Obrigada, Albertina, por mais um texto

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  7. (peço desculpa pela falha técnica) Obrigada Albertina por mais um texto onde a poesia aprofunda a reflexão.

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  8. Cristina Teixeira Pinto2 de julho de 2013 às 18:28

    De uma forma metódica, a Albertina trouxe-nos um texto reflexivo e filosófico sobre o tema.
    Recorrendo a diversas figuras de estilo, nomeadamente, a adjectivação, a comparação, a metáfora, entre outras, o texto possui uma riqueza profunda no que concerne ao seu conteúdo formal. Consegue fazer com que cada leitor pondere sobre este conceito tão crucial nas nossas vidas e indicia a que reflictamos sobre este bem imaterial tão escasso na sociedade actual, mas um bem que se poderia tornar num bem essencial - e não, aos olhos de quem, simplesmente, não quer ver, um bem supérfluo. Vivemos desmesuradamente numa sociedade cega, vedada como se encontra nossa Deusa Romana,a deusa da justiça.
    Basta ter um amigo para que nunca nos sintamos sós. E que saibamos verdadeiramente valorizar quem nos quem bem: o nosso AMIGO: amigo do coração.
    Grata por este delicioso texto, amiga Albertina.
    Um abraço.

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  9. Este trabalho teve o mérito de contribuir para saber que EU vos tenho a todos como meus amigos e bastava-me isso para ficar feliz por tê-lo feito. Mas os vossos comentários vão todos para além disso e mimam-me de tal forma que sabe bem chegar aqui e ouvir-vos e saber que desse lado alguém espera por alguma coisa que está do lado de cá. Para além das palavras fica este sentimento que nada deste mundo consegue comprar.Obrigado AMIGOS!

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  10. Dá tu as voltas que queiras dar à palavra "Amigo" "Inimigo", "Amizade" e outras tantas que mais, que vou ser tua amiga para sempre. Não te conheci há muitos anos, mas tem valido a pena e tenho a certeza que em ti também tenho uma Amiga para o resto da minha vida.
    Os teus textos são muito profundos, são muito expressivos, mas a tua amizade é desmedida. Obrigada Albertina

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  11. Excelente discrição de AMIGO.
    Concordo com tudo o que li no texto!!
    Parabéns, Albertina Vaz.
    Um beijinho

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