segunda-feira, 10 de junho de 2013

Uma história de amigos

Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.  


Fernanda Reigota

Ter amigos é ter com quem brincar, é ter a certeza de poder partilhar com alguém aquela
Ter amigos é ter com quem brincar
ideia que nos perturba ou persegue, aquela ideia que temos medo de ser considerada louca. Ser amigo é compreender sem questionar, é ter a certeza de que aquele olhar nos transmitiu cumplicidade, é ter afeição muito para além de qualquer retribuição, é sentir a simpatia como bafo em dia gélido, é entender sem explicação, é acorrer quando se pressente um chamamento, é encantarmo-nos com a felicidade do outro…
Sim, ter amigos e ser amigo são duas realidades que se irão definindo e redefinindo enquanto o homem for homem. Cada um escolhe a definição que mais se afeiçoa à sua idade, cada um escolhe a perspetiva que mais preenche a sua visão do mundo e dos outros.
Cumplicidades de qualquer ocasião
Semelhanças de qualquer nível, ideais de qualquer esfera, cumplicidades de qualquer ocasião, tudo pode irmanar na amizade enquanto esta perdurar. Os sábios ficariam aqui a conjeturar defesas e subtilezas para sustentar suas posições. Eu passarei, neste texto, a dedicar-me àquela amizade que nasceu e perdura. Da outra, não sei o endereço, esfumou-se, porque, no lugar de um amigo que foi, fica sempre um vazio, um vazio que nem cresce, nem diminui, um vazio-amigo-saudade, quase sem rosto, nunca um inimigo de rosto a abater.
Então, uma história de amigos!

João ia, naquele sábado à noite, jantar com um amigo de sempre. Com alguma frequência, ia à sua terra natal e, por hábito, encontrava-se com o Francisco, que tinha sido dos poucos a permanecer, numa altura em a guerra colonial e a emigração trocara as voltas a muitos amigos. A alguns, para a vida inteira. Em encontros com o Francisco, como o combinado, João ficava a saber uma novidade deste, uma vinda por dias contados daquele. Um ano, até organizaram um convívio, mas dos duzentos amigos sonhados apenas compareceram cerca de quatro dezenas. As expectativas da amizade tinham ficado um pouco dececionadas.
Então, uma história de amigos!
Para aquele dia, o acertado era uma tarde de passeio para fazerem uma visita de médico a pessoas que já quase não saíam de casa, mas que muito gostavam de recordar factos e pessoas que João e Francisco também conheciam. Para a noite, esperava-os uma boa caldeirada de enguias num restaurante novo, mas de pessoas conhecidas do Francisco. Estavam para começar a comer e apareceu o Timóteo. Quando o Francisco lhe dissera da ida do João, logo combinaram que jantariam os três. A emoção foi muita: Timóteo regressara já reformado e queria recuperar os amigos. Costumava dizer que a sua última graduação seria um doutoramento em profunda investigação de amigos do tempo da escola. Já encontrara alguns.
Contaram muitas histórias de amigos comuns, mas também se silenciaram alguns momentos, quando o coração pedia tempo para acomodar tantas emoções. Ao fim do jantar, João foi surpreendido pelo António, pelo Zé e pelo Albino. Também eles tinham regressado para gozarem a reforma na terra que os vira nascer. Mas Timóteo, sempre brincalhão, resolveu avisá-los apenas pelas dez da noite. Nenhum quis deixar de ir abraçar o amigo João! Albino até já estava deitado, mas logo se vestiu, para comparecer àquela festa de reencontros.

Gente da minha terra sabe receber
Diz quem testemunhou que o primeiro embate dos seis deu direito a lenço metido por debaixo das lentes para disfarçar umas lágrimas que teimavam em cair de carreirinha. A noite foi longa e à mesa juntou-se mais um. João já tinha notado a simpatia do dono do restaurante. Gente da minha terra sabe receber. E este pensamento não deixara ver os olhos do menino que fora seu aluno nos dois anos que dera aulas na sua terra, antes de a tropa o levar para a engrenagem infernal da guerra e a vida, depois, ter plantado os dois noutras paragens.
A ponte do passado veio tocar o presente, a ponte do presente estendeu-se ao passado e pelas duas, já feitas uma só, circulou livremente a amizade. Conviviam como se todos se houvessem deixado há momentos…

6 comentários:

  1. A amizade e os amigos é um tema inesgotável que vale a pena explorar até porque neste mundo de perturbação nada como um afeto para nos animar. Começar com um encontro de amigos que a vida afastou é um prenúncio para os que lêem este blogue: está na hora de nos encontrarmos se não fisicamente pelo menos pelas palavras. E as palavras fazem milagres: curam uma amargura, abraçam uma tristeza, saboreiam uma alegria. Obrigado Fernanda, este é o mote certo para começar.

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  2. Quando um amigo se vai fica "um vazio que não cresce nem diminui". E é um vazio que teima em doer... Mas, nesta cadeia de perdas e ganhos, vêm ao nosso encontro novos amigos e até aqueles que quase julgávamos esquecidos nos revisitam, em palavras afetuosas vindas de longe, em imagens e, por vezes, até em sonhos.
    Concordo com a Albertina: bom texto para dar início ao tema. Obrigada, Fernanda.

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  3. Neste belo texto está bem patente a verdadeira amizade. Mesmo que ao fim de quase uma vida as pessoas se reencontrem é como se se tivessem visto na véspera. Obrigada Fernanda por tão linda homenagem à amizade.

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  4. Pois para haver uma amizade não é necessário vermo-nos muitas vezes. Basta que as poucas, sejam autênticas. Aí reside a amizade. Não há dúvida que o teu texto, Fernanda, está perfeito para começar este tema.

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  5. "A ponte do passado veio tocar o presente, a ponte do presente estendeu-se ao passado e pelas duas, já feitas uma só, circulou livremente a amizade." Estas duas pontes, "já feitas uma só" sugerem-me uma outra com sete entradas, obra de arquitetura à base de palavras cimentadas pela amizade - EVOLUIR -

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  6. Não conseguiria definir a amizade de melhor forma! A nossa Fernanda, sempre em alta :)

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