quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amizade

Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.  

José Luís Vaz

É complicado falar de amizade! A existência de amizade pressupõe que há seres que se dizem amigos. A palavra amigo é única e tanto simboliza confiança, como transparência, lealdade, cumplicidade, ajuda, reciprocidade, disponibilidade, orgulho, entendimento, diálogo,
Ser amigo não se explica
alegria, e até tristeza.
Ser amigo é, às vezes, uma atitude que não se explica. Para se ser não se fazem contratos, dispensam-se juramentos, não há necessidade de regras. Os amigos acontecem, não se premeditam. A amizade nasce, muitas vezes, sem se saber porquê. O tempo constrói a amizade, mas o contrário também é verdade. Há empatias, à primeira vista, que desaguam em grandes amizades. Entretanto, quantas desavenças não se transformam, mais tarde, em fortes relações de amizade.
A amizade cultiva-se, mas como se alimentam aquelas que na infância germinaram e que só o tempo preserva? Ser amigo é um estado que transcende as relações amistosas do quotidiano, vai muito para além da amabilidade, do civismo, da cortesia. Ser amigo é mesmo o contrário de inimigo. Não é difícil ser amigo. Difícil é defini-lo. A amizade é bela e linda e não é compatível com limites. 
A traição é a arma mortífera da amizade. Tudo é perdoável. A traição é antítese da relação
A amizade não tem limites
entre amigos. A hipocrisia em situação alguma pode disfarçar quem trai. A amizade não pode coexistir com o disfarce, com o parece bem, com o faz de conta, com a mentira, com o superficialismo do consumível. A amizade existe, é muito boa. Basta haver dois seres e a amizade pode acontecer.
Nas minhas recordações de criança vou ainda hoje buscar uma das mais belas amizades que o tempo não apagou. Desde que me lembro de mim, quando procuro lá longe, na minha meninice vem de imediato ao meu encontro a minha “valeta”. Era uma cadela caniche de porte médio toda preta com farta pelagem encaracolada. Inteligente, muito fácil de ensinar, era uma companheira das pessoas com quem vivia. Usufruía de toda a liberdade movimentando-se entre a casa e o quintal onde, por vezes, ladrava incessantemente, parecendo com isso querer mostrar serviço. 

Cresci com as suas entusiasmadas e deliciosas lambedelas fazendo tudo o que lhe ordenava. Eramos amigos. Um dia surpreenderam-nos quando desfrutávamos de uma refeição a dois. Eu, talvez com uns três ou quatro anitos, sentado num pequeno banco tinha no regaço um tacho que continha um resto de arroz; ela sentada à minha frente com as orelhas no ar e os olhos a brilhar; na minha mão uma colher com a qual servia a ambos o repasto; uma pa ti, uma pa mim, uma pa ti, uma pa mim…

Uma pa ti, uma pa mim...
Os nossos dias eram vividos intensamente com correrias e outras tropelias seguidas da ternura recíproca que dedicávamos um ao outro. Um dia, há sempre um dia… Logo à frente do pequeno muro que contornava o quintal havia a estrada onde a violeta ousava passear como se fosse dela. Era tempo de primavera e o verão já espreitava. O barulho de um estrondo, os repetidos ganidos, foram os sinais do pior que se podia adivinhar. A estupefacção não foi só minha e, de imediato, alguém evitou que eu, criança, não me precipitasse para o fatídico local. Trouxeram a minha valeta e já no quintal à sombra de uma oliveira, trataram dela o melhor que puderam mas os gemidos eram cada vez mais fraquinhos e eu, criança, que dali ninguém conseguiu levar, sentei-me no chão ao lado dela fazendo-lhe festas na cabeça. Aqueles olhos ovais, escuros, grandes, e muito meigos, foram ficando cada vez mais pequenos, sem brilho, tristes, sempre, sempre postos em mim. Ali permanecemos de olhos nos olhos, alheados de tudo e de todos até ao fim. A amizade existe!

8 comentários:

  1. Não consegui evitar uma lagrimita teimosamente a escorregar pela cara abaixo ao ler este texto. Tenho muitas saudades da minha Becky e nada nem ninguém substitui o que quer que seja. No nosso coração há sempre lugar para mais um.
    Mas estou para aqui a falar de mim e não era o meu objetivo. Gostei Zé Luis. Eu sei que tens um coração do tamanho de mundo.

    ResponderEliminar
  2. Gostei da dissertação um tanto analítica com incursões nas áreas da psicologia e filosofia em escrita simples, sem grande pretensão cognitiva-literária. A amizade para mim é na essência uma partilha com o outro ( partilha de tempo, de emoções, de alegria, de sofrimento, etc)

    ResponderEliminar
  3. O ABRAÇO
    O abraço que trocámos no tempo,
    de há longos anos,
    perdura com o aroma de partilha
    gravada na pedra da parede
    da história;
    como pura água da fonte
    onde bebemos, mortos de sede,
    e que continua a dessedentar
    ao desfolhar o arquivo da memória.
    j. carreto lages

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agradecido pela atenção, no seu duplo significado, por mais este "abraço que vai ficar no arquivo da memória", e, de uma forma especial, pela partilha dos seus textos e comentários que tem vindo a efetuar com admirável amizade e dedicação neste blogue. Ele é seu, por favor, continue a utilizá-lo.

      Eliminar
  4. É com os animais que frequentemente estabelecemos a amizade mais perfeita: sem sombra de competição, inveja, deslealdade... É por isso que a perda dum desses amigos nos magoa tanto e nos fica para sempre registada na memória. Gostei muito desta história cheia de ternura, tão bem contada pelo Zé Luís.

    ResponderEliminar
  5. Na verdade a palavra Amizade tem muito que se lhe diga. A amizade humana é precisa e é muito boa, mas um animal faz companhia, é amigo sem condições e nunca nos refila. Esta palavra foi só para desanubiar. Pois Zé Luís gostei muito do seu texto.

    ResponderEliminar
  6. Digamos que esta era uma história previsivel... a "Valeta" acompanhou-te durante o tempo em que conviveu contigo e muito para além dele. Hoje ainda, quando falas nela, é com um brilhozinho inesperado que sorris. Um sorriso carregado de tristeza e ... saudade!
    Gostei muito deste texto cheio duma sensibilidade que muitos gostavam de possuir!

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...