Estamos a publicar textos subordinados à temática AMIGOS e AMIZADE. Colabore e remeta-nos o seu texto ou poema inédito para publicação. Ouse! A diversidade fortalece a amizade.
José Luís Vaz
É complicado falar de
amizade! A existência de amizade pressupõe que há seres que se dizem amigos. A
palavra amigo é única e tanto simboliza confiança, como transparência,
lealdade, cumplicidade, ajuda, reciprocidade, disponibilidade, orgulho,
entendimento, diálogo,
alegria, e até tristeza.
Ser amigo não se explica |
Ser amigo é, às vezes, uma
atitude que não se explica. Para se ser não se fazem contratos, dispensam-se
juramentos, não há necessidade de regras. Os amigos acontecem, não se
premeditam. A amizade nasce, muitas vezes, sem se saber porquê. O tempo
constrói a amizade, mas o contrário também é verdade. Há empatias, à primeira
vista, que desaguam em grandes amizades. Entretanto, quantas desavenças não se
transformam, mais tarde, em fortes relações de amizade.
A amizade cultiva-se, mas
como se alimentam aquelas que na infância germinaram e que só o tempo preserva?
Ser amigo é um estado que transcende as relações amistosas do quotidiano, vai
muito para além da amabilidade, do civismo, da cortesia. Ser amigo é mesmo o
contrário de inimigo. Não é difícil ser amigo. Difícil é defini-lo. A amizade é
bela e linda e não é compatível com limites.
A traição é a arma mortífera da
amizade. Tudo é perdoável. A traição é antítese da relação
entre amigos. A
hipocrisia em situação alguma pode disfarçar quem trai. A amizade não pode
coexistir com o disfarce, com o parece bem, com o faz de conta, com a mentira, com
o superficialismo do consumível. A amizade existe, é muito boa. Basta haver
dois seres e a amizade pode acontecer.
A amizade não tem limites |
Nas minhas recordações de
criança vou ainda hoje buscar uma das mais belas amizades que o tempo não
apagou. Desde que me lembro de mim, quando procuro lá longe, na minha meninice
vem de imediato ao meu encontro a minha “valeta”. Era uma cadela caniche de
porte médio toda preta com farta pelagem encaracolada. Inteligente, muito fácil
de ensinar, era uma companheira das pessoas com quem vivia. Usufruía de toda a
liberdade movimentando-se entre a casa e o quintal onde, por vezes, ladrava
incessantemente, parecendo com isso querer mostrar serviço.
Cresci com as suas entusiasmadas e deliciosas lambedelas fazendo tudo o que lhe ordenava. Eramos amigos. Um dia surpreenderam-nos quando desfrutávamos de uma refeição a dois. Eu, talvez com uns três ou quatro anitos, sentado num pequeno banco tinha no regaço um tacho que continha um resto de arroz; ela sentada à minha frente com as orelhas no ar e os olhos a brilhar; na minha mão uma colher com a qual servia a ambos o repasto; uma pa ti, uma pa mim, uma pa ti, uma pa mim…
Cresci com as suas entusiasmadas e deliciosas lambedelas fazendo tudo o que lhe ordenava. Eramos amigos. Um dia surpreenderam-nos quando desfrutávamos de uma refeição a dois. Eu, talvez com uns três ou quatro anitos, sentado num pequeno banco tinha no regaço um tacho que continha um resto de arroz; ela sentada à minha frente com as orelhas no ar e os olhos a brilhar; na minha mão uma colher com a qual servia a ambos o repasto; uma pa ti, uma pa mim, uma pa ti, uma pa mim…
Uma pa ti, uma pa mim... |
Os nossos dias eram vividos intensamente com
correrias e outras tropelias seguidas da ternura recíproca que dedicávamos um
ao outro. Um dia, há sempre um dia… Logo à frente do pequeno muro que
contornava o quintal havia a estrada onde a violeta ousava passear como se
fosse dela. Era tempo de primavera e o verão já espreitava. O barulho de um
estrondo, os repetidos ganidos, foram os sinais do pior que se podia adivinhar.
A estupefacção não foi só minha e, de imediato, alguém evitou que eu, criança,
não me precipitasse para o fatídico local. Trouxeram a minha valeta e já no
quintal à sombra de uma oliveira, trataram dela o melhor que puderam mas os
gemidos eram cada vez mais fraquinhos e eu, criança, que dali ninguém conseguiu
levar, sentei-me no chão ao lado dela fazendo-lhe festas na cabeça. Aqueles
olhos ovais, escuros, grandes, e muito meigos, foram ficando cada vez mais
pequenos, sem brilho, tristes, sempre, sempre postos em mim. Ali permanecemos
de olhos nos olhos, alheados de tudo e de todos até ao fim. A amizade existe!
Não consegui evitar uma lagrimita teimosamente a escorregar pela cara abaixo ao ler este texto. Tenho muitas saudades da minha Becky e nada nem ninguém substitui o que quer que seja. No nosso coração há sempre lugar para mais um.
ResponderEliminarMas estou para aqui a falar de mim e não era o meu objetivo. Gostei Zé Luis. Eu sei que tens um coração do tamanho de mundo.
Gostei da dissertação um tanto analítica com incursões nas áreas da psicologia e filosofia em escrita simples, sem grande pretensão cognitiva-literária. A amizade para mim é na essência uma partilha com o outro ( partilha de tempo, de emoções, de alegria, de sofrimento, etc)
ResponderEliminarO ABRAÇO
ResponderEliminarO abraço que trocámos no tempo,
de há longos anos,
perdura com o aroma de partilha
gravada na pedra da parede
da história;
como pura água da fonte
onde bebemos, mortos de sede,
e que continua a dessedentar
ao desfolhar o arquivo da memória.
j. carreto lages
Belo poema!
EliminarAgradecido pela atenção, no seu duplo significado, por mais este "abraço que vai ficar no arquivo da memória", e, de uma forma especial, pela partilha dos seus textos e comentários que tem vindo a efetuar com admirável amizade e dedicação neste blogue. Ele é seu, por favor, continue a utilizá-lo.
EliminarÉ com os animais que frequentemente estabelecemos a amizade mais perfeita: sem sombra de competição, inveja, deslealdade... É por isso que a perda dum desses amigos nos magoa tanto e nos fica para sempre registada na memória. Gostei muito desta história cheia de ternura, tão bem contada pelo Zé Luís.
ResponderEliminarNa verdade a palavra Amizade tem muito que se lhe diga. A amizade humana é precisa e é muito boa, mas um animal faz companhia, é amigo sem condições e nunca nos refila. Esta palavra foi só para desanubiar. Pois Zé Luís gostei muito do seu texto.
ResponderEliminarDigamos que esta era uma história previsivel... a "Valeta" acompanhou-te durante o tempo em que conviveu contigo e muito para além dele. Hoje ainda, quando falas nela, é com um brilhozinho inesperado que sorris. Um sorriso carregado de tristeza e ... saudade!
ResponderEliminarGostei muito deste texto cheio duma sensibilidade que muitos gostavam de possuir!