©Vitor Sousa
O
Zé já nem lia os jornais, uma morbidez abafada consumia-o por dentro como um
fogo pardo.
O
olhar vivo deu lugar a um semblante cabisbaixo, as rugas afagavam-lhe a cara em
jeito de carícia de morte.
 |
O Zé já nem lia os jornais |
A
tenacidade, o desafio e o gozo de intempérie desvaneceram como tarde triste em
fim de Outono.
Os
bancos levaram-lhe tudo, nem uma casita a cair de madura nas encostas da Lousã,
herança do seu avô, escapou à fome métrica dos vampiros.
Deixaram-lhe
a mesa, duas cadeiras e a cama no apartamento alugado onde ele ainda chafurda memórias
entre cartas, escritos e fotos, de um passado recente.
O
Artur, amigo de sempre, entretido com o emaranhado da sua pequena mercearia, estranhou
a ausência do Zé.
Meteu
pernas à velha escada de madeira e, depois de uma ascensão rangida de três
andares, bateu à porta.
O
Zé saltou na cadeira num sobressalto pasmado.
Ficou
inerte na incerteza da visita…
Quem
será? Que lhe quereriam mais?
Uma
voz afável e ofegante ouviu-se do outro lado.
- Anda
lá Zé, vamos beber um cafezito, abre-me essa porta.
Tremulo
a lívido, pouco refeito do susto lá abriu a porta e, em tom de desabafo, diz:
- Ainda
bem que vieste, já estava aqui a magicar umas ideias pretas que nem te digo…
 |
...abafar tempestades que lhe secavam o alento |
Lá
foram na tagarelice de circunstância, abafar tempestades que lhe secavam o
alento.
- Não
podes ficar aí a remoer a vida, distrai-te homem!
Ouve
lá…Queres que te arranje uma companheira?
Pergunta
o Artur em tom de riso.
- Só
tu me farias rir, num tempo destes…
A
conversa desanuviava o desnorte enquanto beberricavam o café.
O
Zé lá ia descarregando a mágoa em sulcos de desespero.
- Sabes
Artur, foram quarenta anos de descontos, de trabalhos, de salários, de contas,
de medos, de muitos nadas que se transformaram em coisa nenhuma.