segunda-feira, 4 de abril de 2016

Velhos são os trapos

Maria Jorge

Com a esperança de vida a aumentar, tanto a nível particular como a nível oficial, foram criadas diversas condições para as pessoas envelhecerem com mais qualidade de vida.
Proliferaram universidades seniores nos grandes centros urbanos. De norte a sul do país, principalmente na região interior, câmaras, juntas de freguesia e também a comunidade local, criaram condições para ajudar os seniores a terem uma velhice com mais dignidade.
O nosso povo, com as suas características próprias, é multifacetado e, talvez por isso, também de fácil adaptação a novos desafios. E quem, com a nossa idade, já fez desaparecer do nosso cérebro um sonho que nos acompanha desde criança?
Aprender uma nova língua, tocar viola ou outro instrumento qualquer, dançar, fazer jardinagem ou artesanato, ginástica, natação, pintar, conhecer novos sítios e novas gentes, viajar para fora do país, fazer voluntariado, tirar o curso superior que tanto ambicionava e tantas, tantas coisas mais. Pois é, mas, por diversas razões, nunca tivemos possibilidade para isso.
Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer: “agora é que eu estou a viver a minha vida” ou então: “temos de aproveitar enquanto temos tempo para isso” e ainda: “agora tenho, para os meus netos, o tempo que nunca tive para os meus filhos”. E que dizer dum grupo de mulheres que se intitulam “as mulheres de Bucos”, todas já reformadas e orientadas por uma estilista, que, desde a criação das ovelhas, passando pela fiação da lã e do acabamento final, fazem peças de vestuário, mostrando ao mundo que aquela arte faz
parte da história dum país e não pode morrer. 
Despedirmo-nos do mundo do trabalho e aceitar a nossa reforma é sermos donos do nosso próprio tempo e, dentro das nossas possibilidades físicas e mentais, poder usufruir daquilo que a vida ainda tem para nos oferecer.
Será pura ilusão o que, de algum tempo a esta parte, está a acontecer no nosso país. Qualquer estação de televisão apresenta diariamente programas com muito pouco conteúdo, todos iguais entre si, mas baseados, segundo estatísticas, nas audiências. 

O reverso desta medalha é que as pessoas ficam as manhãs inteiras sentadas no sofá, entretidas a ver o que não as faz exercitar a mente. Curiosamente, de vez em quando, aparece alguém a ser entrevistado e aconselhando os seniores a saírem de casa e fazerem exercício físico, quanto mais não seja, caminhadas. Afinal em que ficamos? Saímos ou ficamos em casa a ver TV?
Se na sua localidade o sénior não se identificar com nenhuma atividade existente e pensar erradamente que já não tem idade para aprender, deve procurar sair para socializar, conviver e interagir, porque ficar em casa torna-o taciturno e infeliz e rapidamente surgem as doenças próprias da idade, principalmente se vive sozinho. Ir a uma biblioteca procurar um livro ou um cd que lhe interessa, começar por fazer uma coleção de qualquer coisa, ir ao café diariamente quanto mais não seja para ler o jornal local, fazer caminhadas de vez em quando. Haverá sempre uma oportunidade de ocupar o seu tempo fora de portas. Faça sol ou chuva, o sénior deverá sair de casa diariamente para seu equilíbrio e bem-estar.
Mas, apesar de terem sido dadas tantas e diversas oportunidades aos seniores para desfrutarem de melhor qualidade de vida, uma grande percentagem continua a viver isolado de tudo e de todos. Por isso, a sua vivência deverá ser acompanhada e não esquecida e, entre outras coisas, o poder local tem aqui um papel muito importante. Deverão ser criadas condições para ir ao encontro destas pessoas, havendo uma intervenção sócio educativa permanente, tirando-as do seu isolamento e criando, por exemplo, condições de deslocação para quem não puder envelhecer com dignidade.

Envelhecer é como velejar, você não pode parar o vento, mas, pode direcionar a vela para que o vento lhe seja favorável.

(Aldemita Vaz de Oliveira)

Maria Jorge ©2016,Aveiro,Portugal

7 comentários:

  1. De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
    "Um texto deveras importante que deveria servir de base a uma conferência com os Autarcas deste País. Que de Norte a Sul todos os Seniores tenham as mesmas possibilidade de envelhecer com dignidade. Obrigado Maria Jorge."

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  2. Uma reflexão sensata e sagaz, e uma chamada de atenção ao poder que fundamenta a necessidade e quiçá a urgência da sua intervenção

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  3. Uma boa análise da condição dos mais velhos. Muito bem, Maria Jorge.

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  4. Parabéns a MARIA JORGE pelo alerta sobre o tema «Envelhecer», pois é sempre complicado enfrentar a perda de nossas energias físicas ou mentais, sendo todas as ajudas, neste sentido, necessárias para que convivamos com esta situação, da melhor maneira possível!

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  5. "Mas, apesar de terem sido dadas tantas e diversas oportunidades aos seniores para desfrutarem de melhor qualidade de vida, uma grande percentagem continua a viver isolado de tudo e de todos". E esta é, no meu entender, a essência deste "Velhos são os trapos" escrito por quem trata por tu uma temática, ainda sensível nesta sociedade em que a hipocrisia domina e o individualismo disputa ferozmente lugar à solidariedade.

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  6. Claro que velhos são os trapos, Maria. Neste teu trabalho mantém-se a tua preocupação permanente por todos os que se encontram sós mesmo que vivam no meio de muito gente. É que a solidão não se apaga numa multidão mas sim num cuidar constante duma mão que se acolhe e de um sorriso que se semeia.

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  7. Concordo com o seu artigo , porque realmente velhos são os trapos .

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