© Albertina Vaz
A lua
desenhava-se, como uma bola redonda, no centro do universo. Aquele era o dia em
que o sonho se tornava realidade: o menino acabara de chegar. Queria vê-lo
crescer, queria crescer com ele. Queria partilhar os sonhos que sonhava, os
voos que imaginava e a vida que lhe restava.
Quando ele
fizesse vinte anos só a sua memória estaria com ele. Mas a vida seria uma rota
feita de descobertas e de dádivas que iam partilhar no tempo.
Deixou que
as palavras o fizessem regressar ao futuro e colocou, no papel, o que gostaria
de lhe dizer, no dia em que a saudade falasse mais forte. E começou assim:
Lembras-te da história da gaivota?
Uma luz
estranha invadiu a minha vida – chegaste. E dei por mim a convidar a esperança
para me despertar desta letargia em que me tenho gradeado. Tenho de ir contigo
ver o mar. Tenho de te mostrar as ondas a desfazerem-se na areia ondulada da
praia deserta. Tenho de te contar a história da gaivota.
Chovia
tanto, tanto que a bruma tinha invadido os céus e não se via nada, no curto
espaço que se estendia ao redor das dunas. Por entre a areia molhada, eu
caminhava sem rumo nem norte. Foi então que encontrei uma gaivota, acabada de
nascer. Tinha uma perna partida e uma asa ferida.
Era tão
pequenina e tão delicada que até a luz da bruma parecia quebrar-lhe o ténue fio
que a prendia à vida. Mal enchia a minha mão. Aconcheguei-a contra o meu peito
e levei-a comigo. Cuidei dela, como quem afaga o vento ou acalma a tempestade.
E, quase por milagre, começou a erguer a cabecita e a piar.
Algum tempo
depois, já vinha comer na minha mão e debicar-me as pontas dos dedos. O que eu
gostava daquela avezinha a quem tinha dado a vida. E o que ela gostava de mim. Tinha-lhe
feito uma casa, na varanda do quintal. E ela por lá andava, caminhando
devagarinho.
Até que um
dia me lembrei que ela era uma gaivota. E que as gaivotas sabem voar. Mas a
minha gaivota tinha medo de cair, tinha medo de bater as asas, tinha medo de
sair do espaço onde tudo estava certo, tinha medo do escuro, tinha medo do
medo.
Sem o
desejar, segredei-lhe sonhos de outras terras e de outras paragens. Sonhos de
ousar e de vencer. Sonhos de querer e de se ultrapassar. Sonhos de viver.
No cimo da
falésia escarpada, abri as mãos e deixei-a no ar. Foi tão difícil vê-la voar.
Rodopiava em círculos, à minha volta, soltando gritos de mais e de vencer. E
depois, lá se foi, pelo céu imenso, enfrentando o vento e batendo as asas.
Mas, quando
a bruma escurece a praia, ela volta sempre, para ver se eu lá estou, a olhar o
mar.
Albertina Vaz ©2016,Aveiro,Portugal
De Ana de Matos Pinho recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Também gostei muito da gaivota. Muito bonito Albertina. Com um final poético."
De Ana Brito lança recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Que bonita história para contar a um neto de 20 anos, avózinha! Não acredito é que que a consiga guardar tanto tempo..."
De Natália Vale recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Excelente trabalho Albertina Vaz e obrigada por o partilhar connosco. Como nós conseguimos compreender esse voo da gaivota! Digo nós, não só referindo-me àqueles que já são avós, mas a todos os trezianos, que também eles/elas já foram gaivotas um dia. Parabéns. Beijinhos"
De Fernando Morgado recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Gosto, Albertina. Imagino uma folha em branco e uma ideia com sonhos dentro e medo do espaço incerto: algumas palavras voando em círculo... e a folha guarda um conto."
De Elizabeth Seixo recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Lindo texto, que prova que: os sonhos são vida, mesmo que haja brumas!"
De Bernardete Reis recebemos o seguinte comentario:
ResponderEliminar" Muito lindo, beijinhos"
História de sonhos, de ousadias, de afetos, de gratidão... Mais um excelente texto, Albertina.
ResponderEliminarDe Teresa Sequeira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Obrigada Albertina!
Que linda esta história! parabéns..."
De Gil Gilardino recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Prezada Amiga, Albertina Vaz
Como sou um louco trabalhador, era 1 hora da noite quando tive o prazer de ler a sua GAIVOTA devo dizer, naturalmente em primeiro foi a ternura que desperto em mim.
Depois após reflexão no fundo nós todos nesta vida moderna, temos medo de voar como a nossa GAIVOTA, que tu obrigaste aceitar as suas dificuldades da vida.
É pena que nós todos não temos alguém como a nossa AMIGA "ALBERTINA" para nos ajudar a tratar das asas partidas que nos poderia ajudar em ver a vida sem medo.
Aceitando os perigos que por vezes nos ameaçam.
Como tudo seria mais fácil se os humanos tivessem este comportamento.
Gostei muito, com um nascimento duma pequena inveja, de eu não conseguir escrever Português como a nossa amiga consegue num estilo realmente elegante..
Parabéns cordialmente amigável."
Parabens
ResponderEliminarGostei muito do seu texto. É profundo e poético ao mesmo tempo.
ResponderEliminarMaria Celeste
Deslizas, voando sob aquela bruma que não te impede os sonhos de ousar e vencer como se fosses aquele menino que vê na lua a bola redonda! Escreves, deliciando-te com o mesmo prazer que a gaivota conquista quando bate as asas à procura do mundo.
ResponderEliminarComo gosto de te sentir voando!