segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Manuel Sortudo - uma história quase verídica...

Graciete Manangão


O Manel era um jovem e dinâmico agricultor. Lavrava e cultivava quase todas as terras disponíveis, na sua aldeia, quer fossem suas ou não. Tinha investido em modernas máquinas agrícolas. Era muito requisitado para fazer todo o tipo de trabalhos de lavoura por quem o não podia fazer. Além disso, tinha uma ordenha mecânica que lhe dava um
um "empresário agrícola"
rendimento mensal razoável. Constava-se até que recebia subsídios do Estado para manter toda a sua actividade agrícola. Era o que se poderia dizer um “empresário agrícola”.
Estava casado, desde os 22 anos, com Bina, uma bonita e vivaça feirante. Sempre bem disposta e incansável, “fazia” mensalmente, durante todo o ano, fizesse chuva, sol ou vento, as feiras dos 7, dos 10, dos 12, dos 13, dos 21, dos 28, dos 29 e dos 30. Levantava-se de madrugada, em dias de feira, para preparar a carrinha fechada com todo o arsenal da tenda, incluindo os sacos de plástico enormes, carregados de mercadorias diversas.
Com toda esta azáfama diária, e porque ainda estavam no princípio da luta pela vida, Bina e o Manel resolveram adiar a chegada de um filho.
Sobrava muito pouco tempo para distrações ou passeios. Bina, aos domingos à tarde, desde que não fosse dia de feira, gostava de ir ver o mar, fazer algumas compras para casa e lanchar na pastelaria da dona Mariazinha.
O Manel, sempre que podia, ia ao “Café do Zé” beber uma cerveja ou um café e bagaço, com os seus amigos ou vizinhos. Às vezes, também jogava às cartas.

Num dia frio e chuvoso, alguém comentou, no café, que na semana passada tinha saído o
O "Euromilhões"
primeiro prémio do “Euromilhões”, em França, a um primo afastado do João. E que o felizardo tinha distribuído parte desses milhões aos familiares e amigos mais carenciados. Em troca de nada.
Muitos não acreditaram nessa história. Mas o Manel, ficou a matutar naquilo e pensou que, se fosse ele, faria o mesmo. Se tivesse a sorte de ganhar no “Euromillhões”, seria bom para ele, para a mulher e para a restante família que vivia com algumas dificuldades.
Na semana seguinte, sem dizer nada à mulher, resolveu jogar forte.
E, por incrível que pareça, a sorte bateu-lhe à porta. Tinha ganho 39 milhões de euros!
Nem queria acreditar. Teria sonhado, tal a força do desejo de ser multimilionário? Os números estavam mesmo certos? Sim, conferiam, era mesmo verdade!
Entrou num frenesim secreto. Não conseguia dormir tranquilo, tinha pesadelos ou insónias.
Que fazer, de repente, com tanto dinheiro? Deveria, calar a sua excitação? Deveria contar de imediato à sua Bina? Ela seria capaz de deixar as feiras de vez? E os pobres da terra, não o largariam mais…
O pacato empresário agrícola, passada a euforia inicial, chegou até a sofrer alguns momentos de angústia e medo, por esta eminente reviravolta na sua vida. Deveria deixar a sua vida ao ar livre? Seria conveniente continuar com a ordenha? E se fosse assaltado, por alguém que pensasse que ele teria muito dinheiro e ouro, escondidos, em casa? É que nos pequenos meios rurais, onde todos se conhecem, mais cedo ou mais tarde tudo se vem a descobrir…
Todo o povo estranharia, que ele sem mais nem menos, deixasse os tratores e a mulher não voltasse a fazer as feiras.
...fazer um bairro para quem
precisasse de casa...
Pensou, na calada da noite, que o melhor seria contar à mulher, e convencê-la a sair do país, logo que fosse possível. Mas, antes disso, depositaria parte dos milhões em dois bancos da cidade mais próxima e depois compraria todas as terras que ele cultivava mas que ainda não lhe pertenciam. Depois, encarregaria o Júlio, o mestre de obras, seu vizinho, de fazer um bairro, para quem precisasse de casa, pagando uma renda simbólica de 10 euros por mês. E o Júlio passaria a ser o administrador desse bairro.
Assim pensou e assim fez.
Depois de algumas discussões com a mulher, a altas horas da noite, decidiram efetivamente mandar fazer o tal bairro e comprar um moderno prédio acabado de construir, na cidade.
Passados alguns meses, o casal conseguiu emigrar para o Canadá, onde o Manel tinha alguns familiares. Não para ir à procura de trabalho, mas para investir mais algum dinheiro numa rede de lojas alimentares. Num país mais evoluído e com melhores condições de vida para todos.
Mas não deixaria de vir passar todos os Natais ao seu torrão natal, com a família mais chegada!


Graciete Manangão ©2015,Aveiro,Portugal

1 comentário:

  1. Uma história dos nossos tempos. Pena é que este Manuel Sortudo seja um ilustre desconhecido que quase só existe no nosso imaginário.

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