Era um cão doce, muito doce.
Tinha o pelo preto, em novelos de algodão que se ofereciam para receber
carícias. Segurava-se em pé, nas patinhas detrás, e percorria as distâncias que
o separavam daqueles que ele amava. Eu tive a sorte de ser querida por ele e,
quando o chamava, os dentes do Palhacinho entreabriam-se num sorriso cativante. Depois, deitava-se em
rodilha à espera de mimos que o faziam alongar as patinhas e estender a língua
em carícias. Quando veio para minha casa, já era velhinho pois vivera com outro
dono que o
recolhera do canil. Quando nos vimos pela primeira vez, não nos
estranhámos e ficámos logo amigos. Escolhemos juntos o seu canto para descansar
e o seu espaço para deambular. Quando eu saía de casa, despedia-se de mim com
os seus caninos em festa e ia para o seu cestinho dormir. Quando estava calor,
quase derretia ao sol, junto à porta da cozinha, sempre à espera de um olá. Nessa altura, saltava na pontinha
das patas e dançava ao sabor dos meus chamados, elogios e ternuras. E assim
vivemos meses e anos. Nas férias, quando me ausentava por algum tempo, ficava
ao cuidado dos meus filhos que o consideravam também como seu. Numa dessas
ocasiões, uma amiga da minha filha levou-o com ela para uma quinta, no Douro.
Eu estava, na altura, nos Açores. Todos os dias perguntava por ele à minha
filha que me punha ao corrente do que se ia passando com o Palhacinho. E assim
foram passando os dias, longe do meu doce amigo, é certo, mas descansada por saber
que ele estava bem.
Quando nos vimos pela primeira vez ficámos logo amigos |
Um dia, recebi um telefonema
estranho. Perguntei pelo Palhacinho e do outro lado do oceano disseram-me que
ele não aguentara o calor tórrido daquele verão. Como devem imaginar, o meu
coração ficou muito triste; não reencontraria o meu querido e doce amigo quando
regressasse.
Ainda tentei encontrar outro
cãozinho que me ajudasse a superar o meu desgosto, mas não consegui. O
Palhacinho, ainda hoje, passados muitos anos, continua no meu coração.
Maria Cacilda Marado ©2014,Aveiro,Portugal
Quem dera que o dito "quanto mais conheço os homens mais gosto dos câes" só existisse devido aos muitos "Palhacinhos" de que muitos de nós tem histórias para recordar.
ResponderEliminarImpossível ficar indiferente a este Palhacinho tão bem retratado pela autora num texto onde cada palavra é um carinho, um afago ao seu pelinho encaracolado, à sua memória. Gostei muito do teu texto, Cacilda.
ResponderEliminarQuando nos dedicamos aos animais e vivemos com eles o dia a dia, custa-nos ter de ficar sem eles. Eles representam a companhia de muitas pessoas. Este palhacinho era lindo.
ResponderEliminarMuito embora um novo “Palhacinho” não substitua o primeiro, no nosso coração há sempre lugar para os dois. Do primeiro ficam as boas recordações e de vez em quando deita-se uma lágrima; com o segundo vivemos o dia-a-dia e também ele nos dá muito amor, dedicação e carinho. E quem fala assim?
ResponderEliminarObrigada Cacilda pelo belo texto.
Quem escreve assim só pode ser alguém com uma sensibilidade que nos circunda, como se de uma teia se tratasse, prendendo-nos nos seus fios e obrigando-nos a partilhar o que só o amor por alguém – seja ele pessoa ou animal – pode explicar. Um trabalho de uma grande riqueza linguística que sabe bem saborear.Obrigada, Cacilda! Adorei.
ResponderEliminarUma história que é um afago,com escrita limpa e límpida,de um cachorrito que deixou história e persiste em reviver na alma sensível e carente da sua dama.
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