Daniela, jovem brasileira,
morena e de cabeleira leonina, fora casada com Jair, durante 10 anos.
Natural de S. Paulo, era
filha de portugueses, emigrados há vários anos no Brasil.
Daniela tinha conhecido Jair
numa mercearia de bairro, perto de sua casa. Ele era o filho
único dos donos da
loja onde vendiam, entre muitas coisas, produtos importados genuinamente
portugueses, como o bacalhau seco e salgado, a morcela, o azeite, o queijo da Serra e o vinho fino do Douro…
onde vendiam bacalhau seco e salgado |
Sendo oriunda de uma modesta
família, aos 18 anos, terminados os estudos liceais, Daniela pensou em começar
a trabalhar, pois queria ter alguma autonomia financeira. Sonhava ser
“balconista” ou “secretária”. Toda entusiasmada, começou a procurar trabalho em
diversas lojas, escritórios e restaurantes. Não foi fácil. Mas foi na mercearia
do Sr. Santos, pai de Jair, que conseguiu emprego como balconista, pois a
anterior empregada tinha sido despedida. E o Sr. Santos, o patrão que
entretanto enviuvara, já sentia alguma dificuldade em tomar conta de tudo, apesar da ajuda do
filho, que não quisera ser “engenheiro” ou “doutor” como o pai sonhava.
Daniela sentia medo |
O Sr. Santos gostou dos
modos cativantes da menina Daniela. Pensou que seria uma boa aposta contratá-la
para ajudar no atendimento ao balcão. E Daniela aceitou as condições
oferecidas. Jair, o filho, ocupar-se-ia da “escrita” e dos contactos com os
fornecedores.
Passado pouco tempo, o
patrão começou a assediar a nova empregada com propostas inconvenientes.
Daniela, que ainda não conhecera homem, sentia medo. Medo, por várias razões.
Principalmente por perder o emprego, pois considerava-se bem paga para aquilo
que fazia. Já tinha sentido na pele a dificuldade em arranjar trabalho. E, além
disso, gostava daquele contacto diário com a clientela. Alguns clientes
tratavam-na carinhosamente por “Minina”.
Daniela, sempre afável,
solícita e risonha para com toda a gente, já tinha feito aumentar a clientela e
os rendimentos da mercearia.
E o Sr. Santos, o dono da
mercearia, não desistia de assediar a jovem Daniela. Até que um dia não
conseguiu resistir ao abraço que a prendia como uma tenaz.
... não desistia de assediar a jovem Daniela |
Jair, também fascinado pela
beleza fogosa de Daniela, depressa se apercebeu que seu pai era o seu rival.
Desesperado, declara-lhe a sua paixão e pouco depois faz ameaças de mandar
despedi-la por estar “sempre no bate-papo”.
Daniela sente-se
encurralada. Jair não lhe é indiferente. Daniela chora, justifica-se e implora.
Ele abraça-a e beija-a muito repetindo que está louco por ela, e que não há
outra saída senão abandonar aquela casa, levando-a para outro sítio.
Assim foi. Jair, passados os
desvarios de alguns momentos, falou com o pai, aparentemente mais calmo.
Exigiu-lhe que lhe desse parte da herança a que tinha direito por morte recente
da mãe. Queria mudar de terra e de vida. Queria montar o seu próprio negócio,
talvez um café ou um pequeno restaurante. O pai não levantou obstáculos às
exigências do filho.
Apesar dos veementes
protestos de Daniela, Jair conseguiu convencê-la, com muita pressão de beijos e
lágrimas, que o melhor era fugirem dali o mais depressa possível. Além disso,
não podia aceitar que o seu próprio pai se abeirasse dela.
Uma espada ameaçadora ... |
Daniela sentia outra vez
medo. Não queria abandonar a sua casinha, a sua família e a sua terra. Fora encostada
à parede. Uma espada ameaçadora pairava por cima da sua cabeça.
Acabou por concordar com os
planos de Jair. Começaram, então, a procurar casa noutra cidade. Depois, surgiu
uma boa oportunidade de explorarem um restaurante, em sociedade com um casal
português.
Daniela passou a ser a
principal empregada de mesa. Jair colaborava sobretudo na facturação. A morena
de cabeleira leonina não perdera o seu jeito de atender os clientes, ao almoço
e ao jantar. Jair observava tudo de soslaio, ardendo de ciúmes, mas não dizia
nada.
Quase sempre, saíam do restaurante
por volta da meia-noite, depois de tudo limpo, arrumado e contas feitas.
Chegavam a casa exaustos, stressados. E Jair, com fúrias mal contidas,
implicava por tudo e por nada. Uma simples saia mais curta ou um decote mais
ousado era motivo de discussão.
Até que uma noite, agrediu a
sua companheira, acusando-a de “provocadora e puta”. No dia seguinte, chorando
lágrimas de sangue, Daniela queixou-se que não podia ir trabalhar assim, com
aquelas nódoas negras. Tinha de descansar e recompor-se. Foi obrigada a
levantar-se e a ir trabalhar.
Momentos houve em que pensou
fazer queixa do companheiro à Prefeitura. Mas mais uma vez teve medo. Medo de
que ele se tornasse mais violento. E não o fez.
Entretanto, Daniela
engravida e nasce Tânia. Por vezes, Jair pedia-lhe perdão e prometia que em
breve iriam casar, pois já teriam melhores condições de vida. Quando casaram já
a menina tinha 3 anos de idade.
Jair oscilava entre a
paixão, o ciúme e algum álcool. Os episódios de violência começaram a
ser
rotineiros, chegando a ser, algumas vezes, presenciados pela criança. Os
vizinhos e os poucos amigos que tinham, faziam de conta que não sabiam de nada,
porque achavam que “entre marido e mulher não se deve meter a colher”.
"entre marido e mulher..." |
Numa tarde de domingo,
Daniela encheu-se de coragem e pediu ao marido que se separassem. Ele não
aceita e propõe que mudem de vida (mais uma vez!), de cidade e de país.
Daniela aceita e resolvem
vir para Portugal, para a terra de Valdemar, o sócio, que muito os ajudou. Com
algumas poupanças ou talvez um pequeno empréstimo bancário, alugariam um snack-
bar, que estivesse bem localizado.
Jair seria ao mesmo tempo o gerente
e empregado de mesa. Daniela prepararia os petiscos e as refeições ligeiras.
Assim fizeram. Mas, em tempos de crise, a clientela não abundava. No fim do
mês, o lucro mal dava para pagar as despesas e retirarem um salário mínimo.
A violência entre o casal
não parava. Daniela cansou-se de estar calada. Às escondidas, confidenciou a
uma vizinha, que se tornara sua amiga íntima, que era vítima de maus tratos, há
já vários anos. A amiga aconselha-a ligar para a “Linha de Apoio à Vítima”.
Daniela assim fez mas as orientações que recebeu revelaram-se pouco eficazes.
Associação de Apoio à Vitima |
Alguns dias depois,
decide-se a ir com a sua amiga vizinha, apresentar queixa por escrito, no Posto
da GNR local. Foi atendida por um mancebo atencioso, o subchefe do Posto,
chamado Pedro Dinis. Após dolorosos e repetidos depoimentos, foi aberto um
processo judicial. E, perante a recusa de Daniela em tentar de novo a
reconciliação, foi aconselhada a divorciar-se rapidamente e a refazer a sua
vida, com apoio de técnicas dos Serviços Sociais.
Acompanhando o desenrolar deste
processo, o subchefe Pedro acabou por se envolver emocionalmente. Estaria
apaixonada por essa mulher tão doce e sofrida?
Pedro guiou e amparou
Daniela, ao longo do seu calvário. E Daniela percebeu que tinha ali, à sua
frente, o seu salvador. Sim, Pedro mostrou-se sempre um homem compreensivo e
generoso. Desta vez, não podia enganar-se. Tinha direito a ser feliz, com
alguém que a respeitasse. Pedro era o seu salvador e o seu amor. Estava
convicta disso e arriscou.
Daniela, saiu de casa com a filha,
sob protecção policial, e foi viver com Pedro, também divorciado e carente de
afecto. Poucos meses depois, Daniela conseguiu trabalho como ajudante de
cozinheira num restaurante brasileiro, na Gafanha da Nazaré. Só agora tinha
encontrado a felicidade e a consequente estabilidade.
Finalmente, tinham chegado
os dias serenos e as noites arrebatadoras.
Entretanto, Pedro Dinis, foi
promovido a Chefe de Posto, devido à transferência do anterior titular. Pensa
regressar, com Daniela, às suas raízes, numa bonita aldeia perto de Castro
Daire, quando se reformar...
Graciete Manangão ©2014,Aveiro,Portugal
Gostei muito de ler este texto. Há tantas Danielas por esse país, que sofrem em silêncio todos os maus tratos. Pois não é correto e a mulher ou o homem têm o direito de refazer a sua vida e de procurar a felicidade.
ResponderEliminarA violência doméstica atingiu proporções deveras assustadoras. Continuamos a ver que o apoio e proteção disponibilizados às vítimas estão muito aquém do necessário, o que leva os agressores a prosseguir por muito tempo com as suas práticas violentas, culminando frequentemente com homicídio seguido ou não de suicídio, deixando para trás um rasto de destruição. Enquanto não se encontrar cura para esta loucura que, pelo menos, cada Daniela encontre o seu Pedro...
ResponderEliminarNem sempre as histórias terminam bem como a de Daniela - por norma estas vidas tendem a eternizar-se e dificilmente as pessoas conseguem sair delas. Na realidade Daniela não conseguiu sair sozinha duma vida de violência continuada. Esse é talvez o grande erro de muitas vitimas de violência doméstica - não serem capazes de romper barreiras e reconstruir futuros.
ResponderEliminargrata pelos comentários sentidos e sensatos.
EliminarFinal feliz para Daniela. E quantas Daniela's não têm coragem para encontrarem o seu Pedro da PSP. Gostei muito. Obrigada Graciete Manangão.
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