segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Um pastor chamado Horácio

Júlia Sardo

Numa terra distante havia um rapazinho que tinha um grande sonho: ser líder. Ou seja: desde cedo começou por demonstrar, quer a brincar com os companheiros da escola, quer em outras tarefas, a grande paixão de liderar.
Ele queria chefiar sempre
Em qualquer brincadeira de que fizesse parte ou em qualquer evento, ele queria chefiar sempre.
Horácio, assim se chamava o rapazinho, fez a instrução primária, na aldeia natal. Teve como mestre um professor austero, que obrigava os alunos a terem um perfil de bom comportamento. Todos os alunos tinham que ter disciplina.
Horácio era bom aluno, limpo, asseado em todos os seus trabalhos. Era bastante metódico, em todas as tarefas a que se propunha.
Foi fazer o liceu para a cidade mais próxima, acabando-o com distinção.
Entretanto, entrou na universidade, onde continuou a ser um bom aluno, mas já com instinto de se aproximar das pessoas e professores com competências elevadas para ouvir e aprender assuntos que já lhe aguçavam o interesse: onde ele pudesse beber conhecimentos que lhe dessem a possibilidade de subir na vida e de fazer o que mais gostava: liderar.
Com o passar dos tempos ele já liderava no grupo dos mais jovens, ou seja, a juventude que conseguia agregar à sua volta.
Os anos foram passando até que algumas pessoas de muito prestígio, lá da terra, entenderam haver necessidade de alguém, com perfil, para estar à frente do clube de futebol.
Quem escolher para estar à frente deste empreendimento? Foi escolhido o Horácio, por unanimidade.
Claro que ficou muito satisfeito e resolveu criar uma instituição sólida e já com umas certas características para o futuro. As pessoas que o escolheram e confiaram nele não se arrependeriam, dizia ele.
As primeiras infraestruturas foram feitas e tudo correu bem.O relvado foi semeado, regado para que crescesse saudável e rápido.
Depois destas situações estarem encaminhadas passou a ter outra preocupação: contratar jogadores, não de topo, mas com capacidades técnicas que servissem o clube.
Subir na vida...
Era um chefe exemplar no que dizia respeito a organização, trabalho e bastante criativo.
Promoveu várias actividades, no campo, para os alunos das escolas, festas em datas próprias, para as pessoas de maior idade, acompanhadas dos seus familiares.
Todos os jogadores tinham um ordenado aceitável, com a perspetiva de aumento, conforme o desenvolvimento do clube.
Claro que os conterrâneos andavam felizes, porque tinha chegado um bom momento para a terra.
Ia haver desenvolvimento, criação de postos de trabalho, enfim começava a aparecer uma lufada de ar fresco.
Com o passar do tempo, Horácio começou a mostrar-se um pouco mais atrevido e não é que apanhou um grande defeito? Tornou-se um mentiroso compulsivo. Ficou com uma vaidade como nunca se lhe tinha conhecido.
Ia prometendo mais e mais desenvolvimentos, sem que se chegassem a concretizar.
Os cidadãos bem que o chamavam à razão, mas a resposta era sempre a mesma: não se preocupem que as situações não estão esquecidas, só que tem havido outras prioridades.
E assim continuava até que as pessoas começaram a ficar desalentadas e já não acreditavam no que ele prometia.
Ia pedindo para que houvesse um aumento das cotas, porque o fundo de maneio já era pouco e já não chegava para as despesas. As pessoas iam pagando na esperança das situações se irem resolvendo, até que chegou o fatídico dia, a gota de água.
Quando o presidente precisou mesmo das pessoas, elas estavam cansadas e já não acreditaram mais nele.
Deixaram de lhe prestar solidariedade.
Deixaram de lhe prestar solidariedade, de confiar, no preciso momento em que ele estava a ser verdadeiro, mas já não havia confiança.
Ele bem que pediu, esforçando-se ao máximo para que o ouvissem, mas sem resultado positivo.
Tinha acabado a verdadeira confiança naquele que lhes tinha prometido desenvolvimento, um verdadeiro clube.
Todo o povo preferiu demonstrar-lhe a sua indignação, repudiando-o, no momento em mais precisava e em que estava realmente a querer remediar o mal que tinha praticado até aí, traindo os que mais tinham confiado nele.
Pois também Horácio, o pastor, assim fez: tanto mentiu, dizendo que vinha o lobo! E na altura em que o lobo veio mesmo, ninguém acreditou, virando-lhe as costas.
E assim há-de acontecer sempre a quem não souber respeitar tudo o que é honesto.
A honestidade é um bem precioso.

6 comentários:

  1. Que Horácio delicioso... podia chamar-se Pedro, Paulo, José!!! Por aí não faltam imitações. Adorei Julinha, dei até umas boas gargalhadas embora o assunto seja demasiado sério, eu sei! Abundam por aí muitos Horácios, mais ou menos pintalgados de cores muito diferentes: a sociedade dos nossos tempos (cá e lá fora) está sedenta de valores e é claro que não se pode ensinar o que se não tem. Receio que os nossos netos, no futuro, sejam incapazes de distinguir uma verdade duma mentira, se os Horácios continuarem a proliferar por aí...

    ResponderEliminar
  2. Comentando através de HORÁCIO, poeta de Roma Antiga:

    "E uma vez lançada, a palavra voa irrevogável."
    "Há uma medida em todas as coisas, existem afinal certos limites."

    A tua palavra foi lançada, Júlia! Assim, voará irrevogável e talvez os muitos Horácios comecem a sentir os nossos limites!!!

    ResponderEliminar
  3. Infelizmente, acontece assim com muitos líderes. Subindo-lhes à cabeça o poder, "esquecem-se" de valores fundamentais. Parabéns pelo seu texto e por esta chamada de atenção.

    ResponderEliminar
  4. "A honestidade é um bem precioso"
    Onde é que eu já ouvi isto? Terei lido? Não sei. Acredito que seja verdade!
    Mas... onde se pratica? Também não interessa.
    Fica a história bem contada. E se os Horácios se envergonhassem?
    O que é que depois se havia de fazer ao que deixavam de "subtrair"?...

    ResponderEliminar
  5. Foi mau e foi castigado... Parafraseando Camões: assim que só para ele anda o mundo concertado.
    Gostei desta história, Julinha. Defende um valor que se encontra em grande défice: a honestidade. O povo tem de estar mais atento aos Horácios e não permitir que exerçam o poder em benefício próprio.

    ResponderEliminar
  6. Mas que linda fantasia da história do lobo mau adaptada aos nossos dias!!!
    Gostei muito de ler Julinha... imaginação não te faltou. Há tantos Horácios por aí.... quando nos vamos livrar deles?

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...