© Albertina Vaz
Era uma vez um homem que
contava as estrelas. Ficava muito tempo a olhar para elas e a vê-las
tremelicar. O homem não era nem velho, nem novo. Era apenas um homem. A contar
estrelas: aquela, lá mesmo ao fundo, era a estrela do João, a outra, mesmo ao
seu lado, era a da Maria; no meio, lá estava a estrela do sol nascente e, mais
abaixo, a estrela da boa vontade. O homem dava nome a todas as estrelas. E todas
as estrelas o conheciam por homem. Nenhuma das estrelas sabia o nome do homem, mas todas o chamavam pelo nome.
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Olha, lá em cima, tantas estrelas! |
Algumas vezes, quando o céu
se enfrascava de chuva, as estrelas gritavam: vai para casa, homem, olha que
vai chover muito. Mas o homem não ouvia as estrelas. Vi-as a brilhar ou a
escurecerem. E, quando as estrelas ficavam escuras, o homem dizia: é a vida!
Foram-se. Talvez voltem amanhã.
No dia seguinte, o homem
voltava para contar as estrelas. E elas lá estavam, brilhantes, como se o sol
estivesse por perto e a noite não tivesse descido. Vai ali a Francisca – dizia
o homem. Do lado esquerdo, deve ser o Pedro. Um dia ainda os hei-de juntar –
pensava o homem. Mas o homem acabava sempre a noite a contar as estrelas. A ver
se faltava alguma, ou se alguma estava fora do seu lugar.
O homem era um sábio e
queria que as estrelas fossem todas amigas. Queria que se abraçassem. Mas as
estrelas estavam lá em cima, muito longe. Até parecia que cada vez se afastavam
mais umas das outras. Se ao menos o homem tivesse uma escada. Com uma escada
ele podia chegar às estrelas e mudar-lhes a vida. O homem pensava que podia juntar
o Pedro com a Maria, e a Joana com a Francisca. E até pensava que assim todos
podiam ser mais felizes. Mas as estrelas iam e vinham, cortando os céus,
rasgando estradas e destruindo pontes.
Um dia, viram o homem a
subir uma escada e a escada parecia não ter fim. Quando o homem chegava ao
último degrau logo outro lance aparecia. E entortava para a esquerda. E virava
para a direita. E descia para um fosso sem fim. E subia novamente. Uma subida
íngreme. Até que o homem disse: estou para aqui às voltas com a vida e a vida
troca-nos as voltas e troca-nos as vontades. O melhor mesmo é descer à procura
das certezas. O melhor mesmo é procurar as estrelas, lá em baixo, do outro lado
da rua.
E foi assim que o homem deu
voltas à vida e fez da vida uma canção de embalar. Deixou de olhar o céu e
passou a olhar à sua volta. Foi aí que encontrou a liberdade e colheu a
companhia. E teve a vida de volta. Em noites de lua-cheia, sentava-se na
soleira da porta e dizia à sua companheira:
- Olha, lá em cima, são
tantas as estrelas. Nunca as poderia contar.
E, num abraço apertado,
traziam de volta as voltas da vida e adormeciam, num sonho gostoso, dum homem
que tinha uma escada e queria subir às estrelas. E contá-las.
Albertina Vaz ©2017,Aveiro,Portugal
As nossas estrelas estão cá em baixo e quantas vezes nem temos capacidade para as ver; contudo, bem haja quem sobe e se eleva a outras estrelas ao longo da vida.
ResponderEliminarQue belo texto, Albertina! As tuas palavras vão-nos sempre directas ao coração e com uma profundidade que nos leva a ler e reler e a descobrir sempre novas camadas. Adorei! Beijinhos.
O homem tomou uma decisão sábia: não deixando de contemplar a beleza das estrelas,longínquas, passou a apreciar a felicidade que lhe oferecia o seu cantinho do universo. Mais um texto extraordinário, Albertina.
ResponderEliminarDe José Teixeira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Um texto muito interessante, com um imaginário fantástico e muito bem escrito. Parabéns Albertina Vaz."
Parabéns (duplamente); pela pequena~grande história de "O homem que contava as estrelas". É que, além de bela e bem escrita, tem o poder de nos conduzir à meditação onde se vislumbra aquela lição de vida (Saint Éxupéry) que nos diz que é preciso ver com o coração. Que é preciso olhar as coisas simples e próximas que nos rodeiam, antes de querer chegar a Marte... Um abraço
ResponderEliminarDe Lena Marilia Castanhas recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Contemplar o céu estrelado, identificar as estrelas como entes, fazer jogos com elas, eis a suprema liberdade de SONHAR !"
A imaginação sem limites ou apenas com o limite de uma escada
ResponderEliminarque colocou o sonhador com os pés no chão.
O homem sonhador. Ainda bem que deixou de olhar para cima quando há tanto de belo à sua volta na Terra. O homem voltou à realidade com razão e não com o coração. Lindo, Albertina porque, às vezes o sonho é preciso.
ResponderEliminarDe Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Os bons escritores não precisam de grandes títulos para desenvolver uma linda história como esta. A solidão, os sonhos e um renascer para o amor e para a vida, tudo está implícito neste texto. Obrigado pela partilha. Continua."
"De são e de louco todos temos um pouco"
ResponderEliminarUm homem com a obsessão de contar as estrelas sobe escadas, umas a seguir a outras, às tantas, cansa-se e decide fazer o inverso. Começa a olhar à sua volta, dá voltas à vida... Misturaste a companheira e o "teu" abraço apertado em noite de lua cheia e assim nasceu este tão simples, tão belo e tão rico conto. E tudo isto, por causa deste teu dom de "arrumar palavras"!