© José Carreto Lages
Margarida era uma rapariga linda,
esculturalmente bela e insinuante. Quem a visse lembrar-se-ia, no mínimo, de um
figo pingo de mel. Expedita e dada a enleios, frequentava o colégio das irmãs
Doroteias, onde trazia em sobressalto os elementos diretivos. A sua beleza era
unanimemente conversada entre os jovens.Tornou conhecida a rua e a casa da tia,
onde a sua presença enfeitava e valorizava a habitação.
À hora da saída das aulas, era habitual
juntar-se um grupo de estudantes mais atrevidos, para observá-la, dirigir-lhe
piropos, acompanhar-lhe os gestos e os apelativos movimentos que a moldura da
perfeição do corpo desenhava com generosa exuberância. Ela, sobranceira aos
olhares, não se incomodava nada de ser modelo da lúdica observação dos
jovens que lhe dirigiam elogiosos galanteios que lhe assentavam como luva
na esteira concupiscente do funcionamento das suas virginais hormonas. O ajustamento das blusas que vestia sugeriam
com evidência o contorno abonado da perfeição arredondada de dois seios bem
firmes. Com o rosto ligeiramente ovalado, respirava a exuberância e a
perfeita saúde de um corpo perfeito, bem ataviado.
Tinha completado os dezoito anos e entre o
aroma das tílias do parque aceitou a insistência do Lourenço em lhe permitir
que a acompanhasse no caminho de acesso às aulas, com a condição de que a
companhia cessaria antes da curva da rua que abria vista ao edifício do
colégio.
Lourenço, oriundo de família abastada e
prestigiada, passou a ser a sua sombra. Andava todo concho. Sabia e sentia que
era invejado pelos amigos que lhe adivinhavam o prazer de se tornar o garanhão
escolhido. Exprimia-se com a Margarida em voz sussurrada, com
frases curtas,
cheias de vírgulas, a soletrar um afeto que no fundo não existia. A menina
cansou-se de decifrar o texto mal construído e colocou à relação um ponto e
virgula.
Muito depois fazia-se acompanhar de outro
jovem: Ernesto, funcionário de uma agência bancária. Trajando de fato escuro
completo, de bom recorte foi aceite em graça. Ao passearem no parque da cidade,
fortuitamente encontraram Miguel, outro jovem, gerente da mesma loja bancária. Ernesto,
embora moído de risco, com reserva, teve que apresentar o colega. A apresentação foi breve. Ernesto logo
arrastou consigo a Margarida, quando julgou notar que entre ela e o Miguel se
cruzara um certo olhar que lhe fez ascender uma centelha de ciúme.

Ernesto ao caminhar dava pequenos saltinhos
como se em cada passo tivesse que ultrapassar um obstáculo no chão que pisava. Procurava
ser simpático, muito delicado, sempre preocupado, olhando a beleza da Margarida
com exaltação, avançando na conversa com demasiadas reticências.Já a imagem do Miguel deixara na Margarida um
grande ponto de interrogação. E certo dia, fazendo parenteses na frase do
Ernesto perguntou-lhe por Miguel.
- Foi promovido a diretor regional e agora
está na agência distrital.
À resposta surgiu-lhe na mente a pergunta
condicionada: e se ela fosse e procurasse pelo Miguel? Talvez ele a
reconhecesse e lhe perguntasse o que fazia ali. Seria fácil justificar-se sem
se comprometer, deixando no ar a dúvida que a presença suscitasse.Desembaraçou-se do Ernesto, dias depois, porque
este, sabendo-a indefinida, lhe havia feito uma cena de exacerbado ciúme quando ela aceitara passear abraçada a um
primo.

O encontro aconteceu, com uma fidalguia de
gestos, com palavras pronunciadas pausadamente por uma voz doce, que a seduziu.
Passearam pelo jardim, colhendo flores e perfumes. O sonho estava a
realizar-se.E no braço dele, ao fim do dia, acompanhou o
Miguel à casa onde ele residia.
Ao transporem a porta, apesar da presença da
Margarida, Miguel, com sofreguidão, deixou-se enlear pelos braços vigorosos de
um robusto jovem, que o retinham longamente enquanto os corpos se tocavam e o
Miguel repetidamente afirmava a desculpa que apesar da demora, não seria ela
motivo de traição.
E Margarida ao que viu e sentiu, partiu com a
súbita tontura de uma grande exclamação e um decisivo ponto final.
José Carreto Lages ©2017,Aveiro,Portugal
De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Esta Margarida, além de ser bem desenhada, tinha um rosto que incendiava os olhos de qualquer jovem rapaz. Usando a sua inteligência, fez a prospeção das muitas ofertas e utilizou todos os sinais de pontuação para que a sua felicidade não se perdesse em pequenos desvarios. Obrigado pela partilha."
De Maria Augusta Machado Oliveira recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Uma Margarida que soube utilizar, com mestria, todos os sinais de pontuação, para atingir a felicidade."
De Júlia Sardo recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Texto lindíssimo e que me transportou aos anos em que realmente essas situações aconteciam. Parabéns ao autor."
De Ró Vale recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"E um final absolutamente inesperado!!!!!"
De Prazeres Vaz recebemos o seguinte comentário:
ResponderEliminar"Mas que DELÍCIA de texto.
Ao iniciar a leitura, e porque se tratava da Margarida, ( nome da minha netinha ), fui procurando com avidez os pontos que se seguiriam.
Mas, o ponto final chegou e com ele uma moderada melancolia do pano se fechar.
Muito bom.
ADOREI."
Lindíssimo. Pontuação adequada. Singular e comum ao mesmo tempo, esta estória. Única na forma de relatar... por isso cativante.
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