sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Quando um homem se põe a pensar!

José Luís Vaz 

Uma das minhas rotinas diárias é dar o comer aos meus dois cães.
Um deles, está, para além de, velho, cego, surdo e, praticamente, mudo, dado que antigamente ladrava, por tudo e por nada, e agora quase não o ouço.
O meu cão está velho
Que aconteceria, que dia a dia teria este animal, se ao menos não tivesse um teto? Como ele, outros animais e pessoas sem teto, cada um à sua maneira, persistem em dar luta à solitária vida em que se transformou a sua existência. Uns e outros vadiam pelas ruas, aproveitam aquilo que os outros já não querem, e às vezes, deliciam-se com acepipes inesperados em dias de sorte. Percebem no rosto e no mexer dos lábios de muita gente a palavra “coitadinho”.
Não gostam mas como já nada têm a perder, põem uma boina no chão onde poderão cair uns centimosinhos, quase sempre pretos, lá depositados com toda a mestria de quem quer que se perceba o tilintar das moedas. Alguns têm como companhia um animal, muitas vezes um cão, um daqueles, que escapou à recolha sanitária, de animais abandonados efectuado pelas zelosas autarquias, que os armazenam em canis, que, normalmente, como as vítimas dos nazis acabam padecentes do “destino fatal”.
As pessoas abandonadas à sua sorte, sem que o estado em que vivem as proteja contra a falta dos mínimos necessários à existência de uma vida digna, passam a ser pesos incómodos à sociedade. De imediato, catalogados como escória de uma sociedade que dia após dia ganha mais adeptos para a repudiável inevitabilidade do fim de um Estado Social…

O meu Kiko, o meu cão, está velhinho, afasta-se quando sente que me aproximo — não me vê… —  quando o agarro e lhe faço umas festas, acalma e retribui-me com uma saudável lambedela. 


José Luís Vaz ©2014,Aveiro,Portugal

3 comentários:

  1. Às vezes é mesmo necessário pôr "um homem a pensar". Sobretudo quando à nossa volta, se entrecruzam pessoas e animais que vivem situações em tudo idênticas. O Kiko felizmente tem quem cuide dele: quantas pessoas vivem situações de abandono sem que ninguém se importe com isso? Gosto deste teu trabalho mas gosto sobretudo da sensibilidade com que o fizeste.

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  2. O Kiko teve a sorte de encontrar uns donos sensíveis e amigos dos animais. E agora com o peso dos anos e já cego o que fazer com ele? Continua a ser o mesmo Kiko, exatamente como nós, envelhecendo e perdendo faculdades, mas, sobretudo, com um teto e uma mão amiga para cuidar dele.
    Tão diferentes e tão iguais…
    Bela homenagem ao teu Kiko.
    Obrigada Zé Luis

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  3. Somos uma sociedade muito organizada: homens e cães abandonados à sua desgraça têm o aconchego da RUA; crianças órfãs e abandonadas têm o aconchego de depósitos de crianças...E nós todos dormimos muito felizes...

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