domingo, 13 de abril de 2014

Ficara estranha e subitamente amante de fotografia.

E quantas vezes partia para a caça de imagens e só noite feita regressava!
Uma bela manhã, ainda o Sol se não erguera, partiu com outros fervorosos adeptos da caça de imagens únicas. Encaminharam-se para o cimo da serra, por uma cerrada mata e por um caminho de poucos conhecido.
Pararam uns momentos para degustarem a música de uma cascata que se adivinhava. A frescura que os salpicos lançavam em redor acariciava a pele sofrida pela subida. Mais que uma vez, dobrada a encosta, tinham conseguido surpreender o encanto de testemunharem o beijo da noite a despedir-se do dia que começaria o seu reinado de luz clarificadora. Uma vez tinham até estacado perante a hipótese de fixarem a imagem daquele veado que quase se deixara surpreender a matar a sede, numa alvorada já quente do mês de maio. João tinha em casa esse troféu. Fora o único a conseguir a composição perfeita e a luz excelente. Ainda hoje se interrogava sobre a expressão do olhar do animal apanhado no momento de iniciar a fuga.
O sol nascera, enfim. Ao longe, o mar era um reflexo único de um dia que se adivinhava esplendoroso. Mas no fundo dos vales que iam dar à costa, grandes rolos de nevoa ainda preguiçavam o doce aroma que a noite lançara sobre a terra. Duas boas horas já haviam passado e nem um enquadramento especial, nem um ângulo para realçar uma copa perfeita de árvore, nem uma pedra evocadora de uma figura…
Aquele grupo de caçadores de imagens porfiava serra acima. Em breve apontariam as objetivas ao trajeto ascendente do Sol, ao contraste dos variados verdes da serra ponteados por pequenos lagos tão brilhantes que simulavam os olhos da serra, espantando-se com a magnificência de mais um esplendoroso dia de maio. Não faltavam manchas de alfazema, caminhos ladeados pelo amarelo da giesta, verdes mimosos dos rebentos novos dos pinheiros, árvores a vestirem-se de folhas macias para se juntarem à festa da renovação da natureza…
Na azáfama da preparação do material, apenas se ouvia a voz esperta e fresca das águas e, ao longe, o marulhar solto da vaga tímida.

Alguém apontara a teleobjetiva para o mar e, emocionado, sussurrava como se não quisesse espantar a caça que tão perto dele parecia estar. No alvoroço do achado, ele imaginava-se já a estender a mão e a tocar o filhote de baleia que nadava atrás da mãe, calmamente, traçando os dois uma linha paralela à costa.


Naquela manhã tinham à sua frente o alvo perfeito: lento, majestoso, raro e enquadrado por um contexto que a todos seduz, o mar!
A retina tinha a festa da imagem, o ouvido tinha o estralejar de múltiplos e constantes disparos.
Ficara estranha e subitamente amante de fotografia

Fernanda Reigo ©2014,Aveiro,Portugal

5 comentários:

  1. Dois em um, ou melhor duas paixões expressas através de um belo texto: A amante da escrita numa simbiose perfeita com a amante da fotografia.

    ResponderEliminar
  2. Belíssimo texto duma pessoa que, entre outras coisas, tem duas paixões: a escrita e a fotografia.
    Gostei muito.
    Obrigada Fernanda

    ResponderEliminar
  3. Um texto que surge dum gosto redescoberto numa outra fase da vida quando é possível partir em busca do inesperado e encontrar o inusitado. Gosto sobretudo da pormenorização com que nos brinda e do encadeamento que em cada passo dá origem a um outro. Um trabalho com assinatura que não permite a ninguém passar ao lado ou ficar-lhe indiferente. Obrigada, Fernanda, eu gostei muito.

    ResponderEliminar
  4. A cascata, o arvoredo, o veado, as ondas... Fotos magníficas, por certo. Mas arriscaria dizer que este texto vale por mil dessas imagens.

    ResponderEliminar
  5. As cascatas, o arvoredo, o veado, as ondas. Que lindo quadro se pintava. A descrição está tão perfeita que se visualiza o quadro. E as cores? Cheias de vida e tão quentes.

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...