E
quantas vezes partia para a caça de imagens e só noite feita regressava!
Uma bela
manhã, ainda o Sol se não erguera, partiu com outros fervorosos adeptos da caça
de imagens únicas. Encaminharam-se para o cimo da serra, por uma cerrada mata e
por um caminho de poucos conhecido.
Pararam
uns momentos para degustarem a música de uma cascata que se adivinhava. A
frescura que os salpicos lançavam em redor acariciava a pele sofrida pela
subida. Mais que uma vez, dobrada a encosta, tinham conseguido surpreender o
encanto de testemunharem o beijo da noite a despedir-se do dia que começaria o
seu reinado de luz clarificadora. Uma vez tinham até estacado perante a
hipótese de fixarem a imagem daquele veado que quase se deixara surpreender a
matar a sede, numa alvorada já quente do mês de maio. João tinha em casa esse
troféu. Fora o único a conseguir a composição perfeita e a luz excelente. Ainda
hoje se interrogava sobre a expressão do olhar do animal apanhado no momento de
iniciar a fuga.
O sol
nascera, enfim. Ao longe, o mar era um reflexo único de um dia que se
adivinhava esplendoroso. Mas no fundo dos vales que iam dar à costa, grandes
rolos de nevoa ainda preguiçavam o doce aroma que a noite lançara sobre a terra.
Duas boas horas já haviam passado e nem um enquadramento especial, nem um
ângulo para realçar uma copa perfeita de árvore, nem uma pedra evocadora de uma
figura…
Aquele
grupo de caçadores de imagens porfiava serra acima. Em breve apontariam as
objetivas ao trajeto ascendente do Sol, ao contraste dos variados verdes da
serra ponteados por pequenos lagos tão brilhantes que simulavam os olhos da
serra, espantando-se com a magnificência de mais um esplendoroso dia de maio.
Não faltavam manchas de alfazema, caminhos ladeados pelo amarelo da giesta,
verdes mimosos dos rebentos novos dos pinheiros, árvores a vestirem-se de
folhas macias para se juntarem à festa da renovação da natureza…
Na
azáfama da preparação do material, apenas se ouvia a voz esperta e fresca das
águas e, ao longe, o marulhar solto da vaga tímida.
Alguém
apontara a teleobjetiva para o mar e, emocionado, sussurrava como se não
quisesse espantar a caça que tão perto dele parecia estar. No alvoroço do achado, ele
imaginava-se já a estender a mão e a tocar o filhote de baleia que nadava atrás
da mãe, calmamente, traçando os dois uma linha paralela à costa.
Naquela
manhã tinham à sua frente o alvo perfeito: lento, majestoso, raro e enquadrado
por um contexto que a todos seduz, o mar!
A retina
tinha a festa da imagem, o ouvido tinha o estralejar de múltiplos e constantes
disparos.
Ficara
estranha e subitamente amante de fotografia
Fernanda Reigo ©2014,Aveiro,Portugal
Dois em um, ou melhor duas paixões expressas através de um belo texto: A amante da escrita numa simbiose perfeita com a amante da fotografia.
ResponderEliminarBelíssimo texto duma pessoa que, entre outras coisas, tem duas paixões: a escrita e a fotografia.
ResponderEliminarGostei muito.
Obrigada Fernanda
Um texto que surge dum gosto redescoberto numa outra fase da vida quando é possível partir em busca do inesperado e encontrar o inusitado. Gosto sobretudo da pormenorização com que nos brinda e do encadeamento que em cada passo dá origem a um outro. Um trabalho com assinatura que não permite a ninguém passar ao lado ou ficar-lhe indiferente. Obrigada, Fernanda, eu gostei muito.
ResponderEliminarA cascata, o arvoredo, o veado, as ondas... Fotos magníficas, por certo. Mas arriscaria dizer que este texto vale por mil dessas imagens.
ResponderEliminarAs cascatas, o arvoredo, o veado, as ondas. Que lindo quadro se pintava. A descrição está tão perfeita que se visualiza o quadro. E as cores? Cheias de vida e tão quentes.
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