Dia Internacional pela Eliminação da Violência
Simbolicamente iniciamos hoje a
publicação de uma série de textos que retratam a violência sobre o ser humano nos
seus múltiplos aspetos. Convidamos todos os que queiram participar nesta
reflexão de molde a enriquecer sempre
este local de troca de saberes e partilhas.
Abstraído das pessoas e olhando pela janela,
André ia relaxando do treino de duas horas que acabara há pouco. Faltava um
jogo para a equipa assegurar o primeiro lugar na competição regional: a esta
preocupação de que, no que dependesse de si, a equipa não falhasse, acrescia
alguma tensão com a aproximação dos exames. Até àquele seu 9º ano, já fizera
outros exames e várias provas intermédias. Os resultados não iam ser decisivos,
era apenas o brio próprio que estava em causa: queria tirar boas notas como
acontecia a maior parte das vezes ao longo dos anos de estudo que já
percorrera.
O som de fundo do motor do autocarro e a luz
exterior, que deliberadamente absorvia, fizeram-lhe sentir uma distensão de
todo o seu ser. A menos de um mês do início do verão, os reflexos do cair da
tarde chamavam a luz mágica do aproximar da noite.
As casas já festejavam a chegadas das pessoas
que as humanizavam. Era o alvoroço das crianças que tudo querem contar sobre o
longo dia passado fora, era a alegria do reencontro dos que nelas partilham
cumplicidades, era o bem-estar por um dia de trabalho responsável, era! Era
também o jogo das incertezas e das surpresas que a vida a cada momento nos
propõe.
Mais uma paragem. E, naturalmente, despertou
um pouco. Fixou o movimento
compassado das pessoas a entrarem, um ou outro
atropelo de quem muito quer um lugar sentado, uma ou outra hesitação de quem já
não sente toda a firmeza da juventude e os seus olhos fixaram um vulto feminino
que, de costas, permanecia sentado no banco da paragem. Não fazia sentido:
naquela rua só passava aquela carreira e o vulto tinha qualquer coisa de
familiar…Que estaria Raquel a fazer naquele lugar? Ela vivia noutra zona da
cidade…
![]() |
Que estaria Raquel a fazer naquele lugar? |
Saiu na paragem seguinte e correu até à
amiga. Quando os seus olhares se cruzaram, Raquel não conseguiu disfarçar as
lágrimas e as tremuras que a sacudiam a espaços. André agarrou-lhe as mãos.
Conheciam-se desde o jardim de infância. Sempre foram amigos inseparáveis até
terminarem o 6º ano e amigos continuaram depois, mas em escolas diferentes. Quis
saber o que lhe tinha acontecido. Raquel olhava à sua volta como animal ferido
que tem medo de ser descoberto. Fixou o sol que aspergia os últimos pontos
luminosos daquele dia sobre a Terra com a mensagem “Amanhã será um novo dia”.
Reviu em filme algumas gargalhadas infantis dadas em conjunto com André e
sacudiu a cabeça em sinal de assentimento.
– André, estou aqui apenas para me acalmar e
poder ir para casa sem levantar suspeitas. Confio em ti para manteres em
segredo o que te vou dizer. Estou a passar uma fase de namoro menos boa. Eu sei
que vai passar!
![]() |
Eu quero saber o que se passou. |
– Eu quero saber é o que se passou. Tu não
consegues deixar de olhar à tua volta e continuas a tremer.
André abraçou-a para ver se conseguia
acalmá-la. A resposta foi um longo grito de dor, enquanto afastava André.
– O que tens?