domingo, 15 de janeiro de 2017

O homem que contava as estrelas

 © Albertina Vaz 


Era uma vez um homem que contava as estrelas. Ficava muito tempo a olhar para elas e a vê-las tremelicar. O homem não era nem velho, nem novo. Era apenas um homem. A contar estrelas: aquela, lá mesmo ao fundo, era a estrela do João, a outra, mesmo ao seu lado, era a da Maria; no meio, lá estava a estrela do sol nascente e, mais abaixo, a estrela da boa vontade. O homem dava nome a todas as estrelas. E todas as estrelas o conheciam por homem. Nenhuma das estrelas sabia o nome do homem, mas todas o chamavam pelo nome.

Olha, lá em cima, tantas estrelas!
Algumas vezes, quando o céu se enfrascava de chuva, as estrelas gritavam: vai para casa, homem, olha que vai chover muito. Mas o homem não ouvia as estrelas. Vi-as a brilhar ou a escurecerem. E, quando as estrelas ficavam escuras, o homem dizia: é a vida! Foram-se. Talvez voltem amanhã.

No dia seguinte, o homem voltava para contar as estrelas. E elas lá estavam, brilhantes, como se o sol estivesse por perto e a noite não tivesse descido. Vai ali a Francisca – dizia o homem. Do lado esquerdo, deve ser o Pedro. Um dia ainda os hei-de juntar – pensava o homem. Mas o homem acabava sempre a noite a contar as estrelas. A ver se faltava alguma, ou se alguma estava fora do seu lugar.


O homem era um sábio e queria que as estrelas fossem todas amigas. Queria que se abraçassem. Mas as estrelas estavam lá em cima, muito longe. Até parecia que cada vez se afastavam mais umas das outras. Se ao menos o homem tivesse uma escada. Com uma escada ele podia chegar às estrelas e mudar-lhes a vida. O homem pensava que podia juntar o Pedro com a Maria, e a Joana com a Francisca. E até pensava que assim todos podiam ser mais felizes. Mas as estrelas iam e vinham, cortando os céus, rasgando estradas e destruindo pontes.

Um dia, viram o homem a subir uma escada e a escada parecia não ter fim. Quando o homem chegava ao último degrau logo outro lance aparecia. E entortava para a esquerda. E virava para a direita. E descia para um fosso sem fim. E subia novamente. Uma subida íngreme. Até que o homem disse: estou para aqui às voltas com a vida e a vida troca-nos as voltas e troca-nos as vontades. O melhor mesmo é descer à procura das certezas. O melhor mesmo é procurar as estrelas, lá em baixo, do outro lado da rua.

E foi assim que o homem deu voltas à vida e fez da vida uma canção de embalar. Deixou de olhar o céu e passou a olhar à sua volta. Foi aí que encontrou a liberdade e colheu a companhia. E teve a vida de volta. Em noites de lua-cheia, sentava-se na soleira da porta e dizia à sua companheira:

- Olha, lá em cima, são tantas as estrelas. Nunca as poderia contar.

E, num abraço apertado, traziam de volta as voltas da vida e adormeciam, num sonho gostoso, dum homem que tinha uma escada e queria subir às estrelas. E contá-las.



Albertina Vaz ©2017,Aveiro,Portugal

9 comentários:

  1. As nossas estrelas estão cá em baixo e quantas vezes nem temos capacidade para as ver; contudo, bem haja quem sobe e se eleva a outras estrelas ao longo da vida.
    Que belo texto, Albertina! As tuas palavras vão-nos sempre directas ao coração e com uma profundidade que nos leva a ler e reler e a descobrir sempre novas camadas. Adorei! Beijinhos.

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  2. O homem tomou uma decisão sábia: não deixando de contemplar a beleza das estrelas,longínquas, passou a apreciar a felicidade que lhe oferecia o seu cantinho do universo. Mais um texto extraordinário, Albertina.

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  3. De José Teixeira recebemos o seguinte comentário:
    "Um texto muito interessante, com um imaginário fantástico e muito bem escrito. Parabéns Albertina Vaz."

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  4. Parabéns (duplamente); pela pequena~grande história de "O homem que contava as estrelas". É que, além de bela e bem escrita, tem o poder de nos conduzir à meditação onde se vislumbra aquela lição de vida (Saint Éxupéry) que nos diz que é preciso ver com o coração. Que é preciso olhar as coisas simples e próximas que nos rodeiam, antes de querer chegar a Marte... Um abraço

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  5. De Lena Marilia Castanhas recebemos o seguinte comentário:
    "Contemplar o céu estrelado, identificar as estrelas como entes, fazer jogos com elas, eis a suprema liberdade de SONHAR !"

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  6. A imaginação sem limites ou apenas com o limite de uma escada
    que colocou o sonhador com os pés no chão.

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  7. O homem sonhador. Ainda bem que deixou de olhar para cima quando há tanto de belo à sua volta na Terra. O homem voltou à realidade com razão e não com o coração. Lindo, Albertina porque, às vezes o sonho é preciso.

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  8. De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
    "Os bons escritores não precisam de grandes títulos para desenvolver uma linda história como esta. A solidão, os sonhos e um renascer para o amor e para a vida, tudo está implícito neste texto. Obrigado pela partilha. Continua."

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  9. "De são e de louco todos temos um pouco"
    Um homem com a obsessão de contar as estrelas sobe escadas, umas a seguir a outras, às tantas, cansa-se e decide fazer o inverso. Começa a olhar à sua volta, dá voltas à vida... Misturaste a companheira e o "teu" abraço apertado em noite de lua cheia e assim nasceu este tão simples, tão belo e tão rico conto. E tudo isto, por causa deste teu dom de "arrumar palavras"!

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