sexta-feira, 6 de maio de 2016

Carta à minha mãe

 ©Idalinda Pereira

(A ser entregue no dia do meu nascimento)


Ainda não sabias que estavas grávida, mas eu já existia.
Eu sabia que era fruto do amor, de uma paixão, e não do acaso ou de um descuido.
Eu vivia em silêncio, dentro de ti, e tu continuavas a ignorar-me. Foi necessário haver uma explosão hormonal para te provocar tonturas, enjoos e mau estar - eureka! Aí fez-se luz!
Então, pela quinta vez, segredaste ao ouvido do meu pai: estou grávida. Fiquei mais tranquila porque ia ser reconhecida.
Quando se deu a minha divisão celular, senti-me muito aflita e tive que te roubar muita energia, porque precisava de oxigénio para a formação do meu cérebro, ossos, vasos sanguíneos, músculos e todos os meus órgãos, o que te causou um grande stresse e muito nervosismo. Eu chamava por ti, mas mesmo sabendo que eu já existia, continuavas indiferente até mesmo ignorando-me!.. Só passados sessenta dias, é que tomaste plena consciência de que, nas tuas entranhas, havia um novo ser e que eras a pessoa mais importante para ele! Então começaste a ajudar-me.
Tiveste cuidado com a tua alimentação, mais horas de descanso, pediste ajuda especializada para que nada me faltasse, sabias que só assim eu viria a nascer saudável, perfeita e escorreita, como é o desejo de todas as mães.
Gostei muito de me aninhar no teu ventre e permanecer nele durante as várias fases do meu crescimento e desenvolvimento: ovo, embrião e feto.
Através da placenta, deste-me tudo o que eu precisava. Sei que sofreste, o teu stresse aumentava, mas não eras a única. Eu. por vezes, também ficava muito irrequieta com falta de oxigénio; tu não respiravas corretamente e eu tinha que aguentar com o meu stresse e com o teu! Mas depois passavas a mão na tua barriga e eu acalmava, sentia-me bem.

Chegado o final dos nove meses, começaste a sentir um certo desconforto, a porta por onde eu ia sair começava a abrir e passaste um período muito doloroso! Sofreste com a pressão das dores físicas, mas eu sofri muito mais porque não queria sair! Sentia-me bem, sentia-me segura! O teu organismo reuniu forças para me expulsar, eu não tinha hipótese para dizer não. A porta era tão estreita que me limitava a saída, mas lá dentro não podia ficar! Sendo assim, muni-me de toda a energia, encavalitei os ossos do meu crânio, estendi os braços ao longo do meu frágil corpo, estiquei as pernitas e aí vou eu para o exterior. À saída, fiz uma expiração profunda, o líquido que ocupava os meus alvéolos pulmonares saiu para dar lugar ao oxigénio e chorei!
Não gostei que me separassem de ti, mas fizeram-no com aquela tesoura que ainda tem o mesmo nome.
Hoje eu digo: Obrigado mãe, porque podias ter-me rejeitado e pôr fim a tudo isto e eu não estaria aqui hoje para te recordar, homenagear e dar-te a conhecer os meus netos, teus bisnetos.
Bem hajas onde quer que estejas.


Idalinda Pereira ©2016,Aveiro,Portugal

7 comentários:

  1. De Laura Carvalho recebemos o seguinte comentário:
    "Adorei esta carta "à mãe" é tudo isso para recordar a vida inteira."

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  2. De Ró Vale recebemos o seguinte comentário:
    "Muito bonito,um comovente tributo ás mães."

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  3. De Ana Maria Figueira recebemos o seguinte comentário:
    "Grande tributo ás mães. Parabéns."

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  4. De Ascensão Anastácio recebemos o seguinte comentário:
    " Muito bonito e inspirador,este trabalho é a experiência muito motivada da autora ...maravilhoso!"

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  5. Encantadora carta às mães . Parabéns Idalinda

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  6. Nove meses que passam como uma terna brisa de fim de tarde quente. De mãos dadas, graça e conhecimento, agarram o leitor a uma lindíssima homenagem à mãe.

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  7. Ao ler este trabalho sobressaiu-me a frase:"a ser entregue no dia do meu nascimento". E pus-me a pensar que talvez esta seja a primeira carta que vejo escrita de um filho para uma mãe que há-de ser. Esta é a carta que anula todas as outras que escrevemos à mãe que se foi. E, nesta dualidade, resta-me pensar que a tua ideia foi excelente porque reflete um amor presente. Sempre.

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