Albertina Vaz
Peguei numa folha – em branco. Dolorosamente branca. Sem um risco, um
traço, uma letra.
Era uma folha como outra qualquer. Nem grande, nem pequena. Nem lisa,
nem machucada. Uma folha em branco à espera de palavras, ou de traços, ou de
cores. E nela falava o silêncio e o silêncio não tinha cor.
Então pintalguei-a de azul e inundei-a de mar. E o mar era uma paz sem
limites e uma mancha azul que se alastrava no horizonte. Depois colori-a de
verde e fiz nascer um campo de erva fresca, onde duas crianças saltitavam
correndo em direção ao infinito.
E fiquei feliz com a minha folha. Já não era uma folha em branco.
Depois procurei os sons e enchia-a de cantos e de poesia, Dois bancos de
jardim. Um casal de mãos dadas e as promessas de amor acarinhadas pela
esperança duma vida diferente.
A seguir fui procurar os cheiros e soube-me a erva cidreira e a
rosmaninho e fiz uma canção de roda com as crianças que me ajudavam a caminhar
e soltavam gargalhadas estilhaçando o silêncio e quebrando as barreiras.
E nela falava o silêncio. |
Era naquele momento uma folha perfeita – havia o mar, um campo verdinho,
duas crianças a brincar, um casal a sonhar e uma avó a reviver. Não faltava lá
nada. Era uma folha cheia de vida que se soltara do branco e se enchera de cor.
Um dia porém vieram uns senhores que sabiam de tudo e ditavam as leis.
Foram eles que escreveram as palavras e foram apagando as cores. O campo deixou
de ser verde porque eles não queriam que fosse cultivado. Os jovens disseram-se
adeus, num abraço profundo, e partiram cada um em direções diferentes. E as
lágrimas que se soltaram foram inundando os campos e salgando os rios e secando
as fontes. As canções já não falavam de esperança e as crianças deixaram de
cantar.
Fiquei a olhar a minha folha e quis pintar os pés da avó mas só consegui
seguir-lhe os passos, quis descobrir o seu olhar mas só descortinava a sua
mente, só e envelhecida, quis pentear-lhe os cabelos mas apenas consegui ler-lhe
o pensamento, quis abrir a sua boca mas
só calei as suas palavras, quis pegar nas suas mãos e apenas encontrei o seu
destino, quis beijar o seu olhar mas já não ouvia as palavras.
Lavei
meu rosto numa gota de orvalho – voltei ao início. Tenho de começar tudo outra
vez.
Albertina Vaz ©2015,Aveiro,Portugal
De Teresa Sequeira recebemos o seguinte comentário:Que bonito, Albertina, parabéns!
ResponderEliminarDe Cacilda Marado recebemos o seguinte comentário: "Que lindo texto!"
ResponderEliminarDe José Carreto Lages recebemos o seguinte comentário: "Continua o teu sonho e verás que vale a pena não desistir.A poesia jogando com os elementos da natureza e as pessoas.Parabéns musa."
ResponderEliminarAs telas, retratos de vida e de vidas. Umas repletas de cor. Outras, sombras escurecidas de vidas pálidas e rotineiras para quem o sol parece não ter nascido. Quem dera, como se fosse possível, e a tua bela prosa poética sugere, recomeçar tudo de novo sem qualquer hipótese de intromissão dos tais senhores que tudo sabem e ditam leis.
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