José Luís Vaz
Numa aldeia, lá perdida no
meio da serra, habitada por algumas, muito poucas, famílias, as pessoas viviam
do sustento que a terra lhes proporcionava. Era normal criarem animais que, ou
vendiam ou abatiam para a sua alimentação. Não havia casa que não tivesse um
bom galinheiro, que, como tal, só funcionava durante a noite, pois durante o
dia, galinhas, galos e frangos bicavam do chão tudo aquilo que encontravam. Ao
escurecer, era certo e sabido, todos os galináceos recolhiam ao seu poleiro
acocorando-se até à madrugada do dia seguinte.
...bicavam do chão |
De vez em quando, havia
grande alarido no povoado com o alvoroço num ou outro galinheiro, altas horas
da manhã. Claro, alguém a tinha pregado: ou raposa ladina perita na arte, ou
algum amigo do alheio aproveitando o sossego nocturno, subtraía um ou mais
bicos ao galinheiro visitado.
No dia seguinte, não se
falava noutra coisa. Para uns, só podia ser raposa matreira, de tão rápido o
assalto, para outros, “sabe-se lá…”, isto e aquilo, e ficava a pairar no ar uma
desconfiança nunca revelada.
O sacristão da terra, o mais
letrado, a seguir ao padre da freguesia, andava desconfiado e montou a sua
própria investigação, sem dar parte de fraco, nem dizer nada a ninguém.
Começou a aperceber-se que
um jovem rapaz, volta e meia, ia à igreja e pregava-se de joelhos à frente de
uma imagem de Santo António com o Menino Jesus ao colo. Ali permanecia um
bocado e vinha-se embora sempre muito bem-disposto.
O menino cale-se... |
Certo dia, antecipou-se ao
jovem e foi esconder-se atrás da referida imagem. Como habitualmente, o
visitante ajoelhou-se e julgando-se sozinho na igreja iniciou uma conversa com
Santo António, em voz alta.
— “Ai, meu Santo Antoninho,
eu voltei a pecar. Sabes, nós somos os mais pobrezinhos cá da terra e eu tenho
muitos irmãos pequeninos… tenho que ajudar os meus pobres pais a matar-lhes a
fome! Eu prometo, meu querido Santo Antoninho, nunca mais fazer o mesmo. Eu sei
que já me perdoaste doutras vezes mas a partir de hoje, não vou voltar a assaltar
mais nenhum galinheiro.”
Nesta altura, o sacristão,
imitando a vozita do Menino Jesus, disse:
—“Olha, o meu paizinho só te
perdoa, se fores entregar aos donos as galinhas que roubaste”.
— Resposta do pecador: “O menino cale-se sim, porque
eu estou a falar com o seu paizinho.”
José Luís Vaz ©2015,Aveiro,Portugal
Um texto bem escrito, que dispõe bem quem o lê e arranca um sorriso ao mais sisudo dos sisudos. Gostei muito .
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