quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Se eu fosse deus

Vitor Sousa 
Se eu fosse deus
Barjavel, se fosse deus, faria cantar as árvores e florir os pássaros.
Eu… Faria cantar a assembleia da república em etílicos cacarejos e florir com abundância a testa dos políticos.
Hastes desgarradas, brotadas de rebentos viçosos de tonalidades ímpares passando do vermelho vivo da romã à subtileza romântica do pessegueiro.
O aroma intenso lembraria nevões de amendoeira nas encostas de Foz-Côa, crepitado de cor no bordar florido das cadeiras.
O dinheiro seria trajecto de impressora e memória museológica criado em função da carência da vaidade.
Haveria honorários milionários e gratificações chorudas para os eleitos do momento.
Os políticos honrariam finalmente o propósito hilariante da sua existência.
Divertir o povo!                                                                  
Enfim…Alegações absurdas, de um absurdo incontornável!
Na verdade, se eu fosse deus, honraria o dinheiro como fruto do trabalho e torná-lo-ia obrigatório na partilha com modéstia.
Faria com que os homens nascessem livres e dar-lhes-ia asas para voarem por cima das diferenças.                  
Se eu fosse deus, libertava o homem desta forma de olhar o agora com desdém e deificar o além desconhecido.
Desta eterna dependência de criar de si mesmo projecção de um deus maior.
Desta absurda invenção de trilhos e caminhos, para se impor um cabresto redentor.
Desta inata escravatura de obsessão pelo servil.
Desta forma de cuspir com asco na modéstia e olhar de escárnio a humildade.
Deste fingir constante de um enredo de vivências, qual actor em cena num qualquer teatro da vaidade.
Se eu fosse deus faria da criança modelo de irreverente travessura.
Projecto de esperança.
Riso límpido sem tormentos de genética.
Harmonia de bonança.
Pôr-do-sol sobre a placidez pachorrenta do oceano.
Se eu fosse deus, mostrava-lhe o cântico poético da folhagem tocada pelo vento e o florir dos pássaros em bailados ímpares no tempo dos amores.
Se eu fosse deus, faria de mim um homem justo e pecador carregado de laivos de carícia aflorados do âmago da alma, onde a mão e o olhar fossem unos num louvor ao amor, à terra e às pradarias de água cristalina.

Se eu fosse deus, libertaria finalmente os deuses da inglória tentativa de salvar a humanidade e extinguia para sempre as guerras de sangue em seu louvor.

Vitor Sousa ©2016,Aveiro,Portugal

2 comentários:

  1. De Idalinda Pereira recebemos o seguinte comentário:
    "Um texto de grande convicção e uma vontade imperiosa de mudar o que está errado. Também eu diria, se fosse deus, acabava com todas as diferenças e o mundo seria melhor."

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  2. Parece que até a omnipotência de Deus claudica perante tanta arrogância, tanta ganância, tanta sede de poder, tanta crueldade... Um texto profundamente reflexivo sobre o desconcerto do mundo.

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