quarta-feira, 10 de junho de 2015

Um objeto

Maria Helena Linhares 

Não sou moldável, mas ocupo um espaço razoável. Sou feliz porque me considero imprescindível para o meu dono, até ando muito próxima ao seu coração. Aliás muitas vezes até penso que o coração que bate tão perto de mim, faz parte de mim, porque o meu dono, ou está afanosamente a trabalhar, num stress horrível, ou em horríveis correrias, dum lado para o outro, ou pára, esgotado, e aí perde-se a afagar-me, vezes sem conta, a cabeça sempre a pensar...
Limpa-me inúmeras vezes, amorosamente, como se outra coisa não soubesse fazer na vida. Sim, ignorada nunca sou.
Ele fala comigo, até a dormir, porque eu também necessito de descansar, e faço-o a uma distância de um braço dele.
...somos um só!
Como se o descansar só fosse possível comigo tão perto.
O restante tempo é gasto sempre a girarmos, em correrias loucas, no meio das maiores barafundas possíveis.
Este homem, mesmo quando foi premiado – ouvi dizer - e subiu a um palco e falou no meio do maior silêncio e depois se ouviram muitas palmas, mesmo ali, teve que me exibir, a mim, como um troféu! Tive um medo horrível, será que me iria leiloar?
Mas não! Todos me olharam com muita admiração, o meu dono recebeu uma taça e eu voltei para o meu lugar habitual, perto do seu coração…
Perguntaram-nos (a mim e a ele, pois somos um só) – para onde corremos mais frequentemente:

- Acidentes;
- Guerras;
- Belezas do mundo;
- Fogos;
- Outros.
Eu já conheço a resposta que ele habitualmente dá, e é só uma palavra: ADRENALINA.
Não sei o que isto será, mas já me habituei a senti-la e a conviver com ela.
O coração dispara-lhe com uma força que por vezes parece que vai explodir-lhe dentro do peito. 
Já sei o que me resta: encolher-me e ficar o mais reduzida possível, quase invisível, não lhe causar a mais leve perturbação, na esperança de que aqueles tumultos (bombas a deflagrar, casas a ruir, fogos a alastrar, gente a gritar) tudo irá passar e aquele coração irá continuar a bater com regularidade. Mas continua para mim incompreensível, a necessidade da tal adrenalina  para viver feliz. Coisas de humanos…
Mas houve uma visão, numa prisão, num pais estrangeiro como o ouvi explicar ao tal júri que o galardoou, em que os presos permaneciam deitados no chão, encostados uns aos outros, sem qualquer espaço, que para mudarem de posição, o guarda apitava e todos a um tempo se viravam. Foi aí que o coração dele, condoído, quase não se ouvia bater. Cheguei a temer que fosse o nosso fim!
Só exclamou: Não há direito. São isto humanos! Que prisões!
O meu quotidiano como vêem é tudo menos monótono. Não sei o que me falta dizer, talvez somente apresentar-me:

Sou uma máquina fotográfica de um feliz e bem realizado repórter fotográfico.

Maria Helena Linhares ©2015,Aveiro,Portugal

1 comentário:

  1. "e é só uma palavra: ADRENALINA" E porquê? Ganha pão, protagonismo, ambição desmedida, realização/satisfação sentida no mais íntimo recanto de um ser... Interessante tema desenvolvido, sabiamente, que nos obriga a refletir. Como, uma mesma ação, pode ter significado tão diferente!...

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