Maria Helena Linhares
Não
sou moldável, mas ocupo um espaço razoável. Sou feliz porque me considero
imprescindível para o meu dono, até ando muito próxima ao seu coração. Aliás
muitas vezes até penso que o coração que bate tão perto de mim, faz parte de
mim, porque o meu dono, ou está afanosamente a trabalhar, num stress horrível,
ou em horríveis correrias, dum lado para o outro, ou pára, esgotado, e aí
perde-se a afagar-me, vezes sem conta, a cabeça sempre a pensar...
Limpa-me
inúmeras vezes, amorosamente, como se outra coisa não soubesse fazer na vida. Sim,
ignorada nunca sou.
Ele
fala comigo, até a dormir, porque eu também necessito de descansar, e faço-o a
uma distância de um braço dele.
...somos um só! |
Como
se o descansar só fosse possível comigo tão perto.
O
restante tempo é gasto sempre a girarmos, em correrias loucas, no meio das
maiores barafundas possíveis.
Este
homem, mesmo quando foi premiado – ouvi dizer - e subiu a um palco e falou no
meio do maior silêncio e depois se ouviram muitas palmas, mesmo ali, teve que
me exibir, a mim, como um troféu! Tive um medo horrível, será que me iria
leiloar?
Mas
não! Todos me olharam com muita admiração, o meu dono recebeu uma taça e eu
voltei para o meu lugar habitual, perto do seu coração…
Perguntaram-nos
(a mim e a ele, pois somos um só) – para onde corremos mais frequentemente:
- Acidentes;
- Guerras;
- Belezas
do mundo;
- Fogos;
- Outros.
Eu
já conheço a resposta que ele habitualmente dá, e é só uma palavra: ADRENALINA.
Não
sei o que isto será, mas já me habituei a senti-la e a conviver com ela.
O
coração dispara-lhe com uma força que por vezes parece que vai explodir-lhe
dentro do peito.
Já
sei o que me resta: encolher-me e ficar o mais reduzida possível, quase
invisível, não lhe causar a mais leve perturbação, na esperança de que aqueles
tumultos (bombas a deflagrar, casas a ruir, fogos a alastrar, gente a gritar)
tudo irá passar e aquele coração irá continuar a bater com regularidade. Mas
continua para mim incompreensível, a necessidade da tal adrenalina para viver feliz. Coisas de humanos…
Mas
houve uma visão, numa prisão, num pais estrangeiro como o ouvi explicar ao tal
júri que o galardoou, em que os presos permaneciam deitados no chão, encostados
uns aos outros, sem qualquer espaço, que para mudarem de posição, o guarda
apitava e todos a um tempo se viravam. Foi aí que o coração dele, condoído,
quase não se ouvia bater. Cheguei a temer que fosse o nosso fim!
Só
exclamou: Não há direito. São isto humanos! Que prisões!
O
meu quotidiano como vêem é tudo menos monótono. Não sei o que me falta dizer,
talvez somente apresentar-me:
Sou
uma máquina fotográfica de um feliz e bem realizado repórter fotográfico.
Maria Helena Linhares ©2015,Aveiro,Portugal
"e é só uma palavra: ADRENALINA" E porquê? Ganha pão, protagonismo, ambição desmedida, realização/satisfação sentida no mais íntimo recanto de um ser... Interessante tema desenvolvido, sabiamente, que nos obriga a refletir. Como, uma mesma ação, pode ter significado tão diferente!...
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