Maria Jorge
A
vida tramou Joana por diversas vezes. Seu filho único, e o grande amor da sua
vida, morreu brutalmente num desastre de automóvel já há um bom par de anos e o
seu companheiro deixou-a recentemente. Depois de ter uma vida muito ativa, agora
já quase não saía de casa, porque as suas pernas não a deixavam ter a mesma
agilidade de outrora. Os dias iam passando lentamente e o seu objetivo era, ao
final de cada dia, falar telefonicamente com o neto e os dois bisnetos.
...não é todos os dias que se faz 85 anos. |
O
dia do seu aniversário estava a aproximar-se e, como este ano coincidia com um
fim-de-semana, era a altura ideal para todos se reunirem, até porque não é
todos os dias que se faz 85 anos... e quem estaria cá para o ano?
Com
o sol a raiar por entre as persianas, adivinhava-se um dia primaveril de
domingo. Mas, apesar disso, resolveram comer dentro de casa, até porque o tempo
ainda estava muito incerto e não se fossem levantar aquelas nortadas habituais
para o meio da tarde o que tornaria tudo desagradável.
Era
o dia ideal para Joana tirar da gaveta aquela toalha branca bordada que lhe
tinha sido oferecida pela sua avó como prenda de casamento e o serviço de
faiança inglesa que só era usado em ocasiões muito especiais.
Já
com a mesa composta, chegou a hora de todos se sentarem à mesa.
–
Meu Deus Francisca, já reparaste quem se vem sentar em cima de mim? Este homem
é um bruto e está tão gordo, deve pesar mais de 100 quilos!!! Parte-me toda, só
quero que se sente com cuidado… minhas ricas costas. Porque não escolheu outra?
Eu tenho mais sorte... |
–
Eu tenho mais sorte – disse a Julieta. Estou guardada para a Joana, ela não me
troca por nenhuma de vocês.
–
Olha, olha, este miúdo vai-me sujar toda. Costuma ser tão irrequieto e, apesar
de estar mais velho, o comportamento deve ser igual… Pobre de mim e coitada da Joana
depois tem um trabalhão a limpar-me, só espero que não fique com nódoas...
–
Estou tão feliz! A Carolina vem para cima de mim. Tem tanto de delicada como de
franzina. É uma menina exemplar, com tão boas maneiras até parece uma princesa.
Dá gosto servir esta menina!
–
Pois, pois, a Ana vem para mim, ainda bem, porque gosto muito dela, sempre tão
senhora…
–
Meninas aí, não estejam tão desanimadas, porque afinal eu também gostaria muito
de ter alguém e desta vez não fui escolhida. Alguém deve estar zangado comigo!
Apesar de tudo, pesado ou leve, sujo ou limpo, eu preferia ter alguém. Afinal…
estou para aqui sozinha, parece que ninguém gosta de mim…
–
Nada disso, não estejas triste, só a Joana é que se senta sempre na mesma
cadeira… este ano escolheram assim…
E
com um copo de água entornado aqui, com alguns bagos de arroz espalhados acolá,
o almoço decorreu com muita alegria.
Era
hora de se irem embora, porque ainda queriam chegar cedo a Bragança. No dia
seguinte a azáfama habitual começaria muito cedo.
E,
na casa de jantar, as seis cadeiras a entreolharem-se, tristes e taciturnas.
Quando teriam outra vez movimento? Silêncio absoluto e a casa uma vez mais, ficou
tão fria e tão vazia…
Maria Jorge ©2015,Aveiro,Portugal
Uma conversa entre cadeiras que, com muita serenidade, nos transmitem como tudo é efémero na vida - até numa vida de mais de 85 anos. Sobretudo quando as cadeiras se enchem num dia e depois, se sujam, se entrechocam e depois passam muitos dias limpinhas, sem pés que as assustem e sem movimento que lhes devolva a vida. Um tema que tu sabes desenvolver sempre muito bem e que és mestra na arte de nos pôr a pensar. Obrigada, Maria!
ResponderEliminarBonito Texto Maria Parabéns.
ResponderEliminarDesta vez, com a perspicácia, que te caracteriza, decidiste pôr as cadeiras como personagens de uma vida feita de momentos. Coabitam sempre o mesmo espaço, como as pessoas, mas só, às vezes, se abrem para manifestar algo de seu. A festa acaba e volta a compostura dos silêncios. O teu texto, como um sino, fica a badalar nos nossos cérebros.
ResponderEliminar;(
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