Albertina Vaz
Finalmente
um dia de sol. Já quase me não lembrava de como é bom um dia de sol: o cheiro
da terra húmida a soltar-se e a crescer enovelando-se no espaço; o ar quente a
acariciar a pele e a saber bem; as flores, numa profusão de mil cores, a erguerem-se
altivas procurando um raio de sol só para si; as aves a saírem das árvores numa
dança de sedução procurando o companheiro especial; os animais saindo das tocas
em busca do comer que tem escasseado durante o longo e penoso inverno.
E
com o sol veio também aquele espreguiçar bom que aquece a mente e convida a
novidades: uma caminhada das que nos fazem sentir o chão que pisamos ou um dia
longe da actividade soturna e diária. Afastei-me da melancolia sempre presente
quando o inverno se prolonga e se instala: afinal hoje está um dia de sol.
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Um dia de sol |
Fui
dar uma volta à feira. De manhã, quando o bulício é ainda pequeno e só os
gonzos da roda gigante tomam conta do ambiente. Aqui e ali uma criança de olhos
desmedidos e boca aberta saltita por entre os carrocéis que se erguem frente à
praça. Percorri sem pressas o espaço onde os chamados divertimentos se alinham
lado a lado numa zona pré-determinada e definida. Uma profusão de cores, de
campainhas, de sons mais ou menos agudos, de música difundida a metro ou em rodas
redondas. E de apitos – muitos apitos que, sem eles, nem a feira é feira.
Em
passo cadenciado, dei por mim a pensar que a roda gigante é redonda e gira à
volta
de si mesma regressando sempre ao ponto de partida. Se assim não fosse
como sairiam os que entram e como entrariam os que estão de fora? E o carrossel
dos animais, mesmo em ondas que sobem e descem, não é ele redondo também? Não
anda à volta dum centro que começa a rodar quando o movimento se desencadeia?
Até o carrossel dos barquinhos, onde só as crianças podem andar, gira à volta
de um eixo movimentando atrás de si a água que essa mesma volteia em círculos
concêntricos. E o labirinto ou a lagarta gigante não fazem anéis redondos
regressando sempre ao ponto de partida que no fundo não deixa de ser o ponto de
chegada? E até as diversões mais recentes que giram a uma velocidade
vertiginosa o fazem rodando sobre si mesmas numa argola imensa e redonda que
volta sempre ao mesmo lugar.
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A roda gigante é redonda... |
O
sol continuava lá a fazer-se sentir como se ele também tivesse regressado dum
outro lugar, por debaixo dos meus pés. E dei por mim a pensar que eu própria
sou uma roda gigante que rodo numa terra que também, ela própria, gira sobre si
mesma. E é nesta roda gigante que vou circulando ao redor da terra sabendo que
a cada porta que abro descubro uma nova etapa que estou a percorrer.