Albertina Vaz
Encontrei-o num estado
deplorável: triste, acabrunhado, deprimido. Mal me olhou, as lágrimas
soltaram-se numa torrente infinita. Nem sabia o que lhe havia de dizer. Aquelas
palavras de circunstância, aquelas frases que não dizem nada desprenderam-se-me,
sem grande convicção. Afinal o que se passara? Seria tão grave assim? Não
haveria nenhuma solução?
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...do primeiro sorriso, do primeiro dentinho, dos primeiros passos |
Sentei-me a seu lado
tentando consolar-lhe uma dor que não sabia donde provinha mas que pressentia
ser de uma dimensão sem medida.
Lentamente, soluçando,
foi-me falando das suas recordações, do primeiro sorriso, do primeiro dentinho,
dos primeiros passos. Dos passeios intermináveis que davam juntos, das
conversas que mantinham ao nascer do sol quando se levantavam cedinho e
caminhavam à beira mar escutando o barulho das ondas e o silvo das sereias. Das
mágoas que desabafavam e das alegrias que partilhavam.
Dos dias em que o ia buscar
à cama e o destapava para o acordar, das vezes que rebolavam misturando-se na
areia da praia, das gargalhadas que trocavam juntos, das corridas que o
obrigava a fazer e até daquela queda quando um dia o atirara – sem querer,
claro – contra um carro à beira do passeio. Dessa vez quase ia partindo a
cabeça mas até isso se tornara uma diversão. Atiravam-se um por cima do outro,
faziam-se intermináveis cócegas e riam – riam muito.
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De quem falava afinal? |
Estava eu própria a ficar
perturbada – falava-me de certeza de alguém muito próximo com quem convivia
todos os dias e partilhava muitos segredos. Mas eu sabia que ele nunca tivera
uma companheira, namorada ou amiga. Sabia que uma infância difícil e uma
juventude perturbada o afastaram da família e quebrara as pontes que o haviam
ligado ao outro lado. Sabia-o muito introspetivo, senhor de si mesmo, metido
no seu canto, com grandes dificuldades de comunicação, sem grandes amigos e
poucos conhecidos.
De quem falava afinal?