Albertina Vaz
Queira ou não queira, caí em
desuso. Já tive nas minhas mãos os segredos de tantos e de todos. Era vê-los,
em fila indiana, aguardando a sua vez, desesperados com o tempo de espera, ali,
à minha volta, como se eu pudesse resolver todos os problemas do mundo.
E eu escutava-os com muita
atenção, permanecendo em silêncio porque me era exigido o silêncio, guardando
segredos, escutando anseios – grandes e pequenos, palavras sem nexo, angústias
urgentes.
Vermelha, esguia, fora de uso |
Podia contar-vos mil e uma
histórias de gente que me procurava para comunicar. A do jovem a quem faltara a
mesada que os pais não tinham podido enviar, a da mãe que tinha saudades da
filha que já não via há muito, a da filha que só queria ouvir a voz dum amigo,
a do amigo que pretendia partilhar sentimentos.
Eram tantos que precisavam
de mim para encontrarem quem queriam e ouvir quem não estava ali e de quem
sentiam falta. Sentia-me útil e desejada, sentia que tinha uma função
importante e necessária. Até que um dia fui ultrapassada por esse instrumento
indesejável que passou a fazer parte da vida deles. Deram-me até outro formato mais
moderno, mais apelativo – deixei de ser fechada, de ter porta e janelas
pequeninas. Passei a ser arejada, apenas com o indispensável para um recado
rápido, sem sentimentos nem anseios.
E fomos sendo afastadas dos
espaços públicos. Dos milhares que se espalhavam pela cidade restam meia dúzia
de outras iguais a mim, sem préstimo e sem jeito. Brevemente virão retirar-me
daqui e passarei a ser mais um lixo, no monte de lixo das coisas inúteis. Eu,
que já fui a cabine telefónica mais frequentada desta cidade.
Albertina Vaz ©2015,Aveiro,Portugal