sábado, 31 de maio de 2014

QUANDO ERA CRIANÇA…


Quando era criança, nos dias de verão,
Bem cedo acordava, o sol no nascente.
Corria na praia feliz e contente
Com sonhos na alma e o balde na mão.

A areia macia lembrava um colchão…
Deitava-me nela e o mar estava em frente.
A água era morna, a luz era quente
E a brisa cantava no meu coração!

Juntava mil conchas, saltava os rochedos,
Sonhava ser ave, voar sem ter medos,
Ir fundo, bem fundo, no fundo do mar!

Fazia castelos na areia molhada…
A casa voltava feliz e cansada,
Na alma lavada o sol a brilhar!...

Maria Celeste Salgueiro ©2014,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Tanto ruído e silêncio

A manhã estava cinzenta e uma chuva miudinha não sabia a nada, nem mesmo a molhado. E afinal, incomodativamente, senti que o Inverno havia chegado mesmo sabendo que estávamos em Agosto e era suposto haver calor. Uma sensação esquiva de que qualquer coisa de anormal se estava a passar instalou-se no ontem que o amanhã via chegar.
Uma caminhada em direcção a nada
e a ninguém
Uma multidão de gente que se entrecruza e se acotovela num espaço desértico de ideias e projetos. Uma caminhada em direcção a nada e a ninguém. E no fundo, no mais recôndito sítio dos passos perdidos, sem tempo e sem graça, olhei o horizonte e fiquei-me por lá, perdida num lugar e num tempo em que comunicar e fazer silêncio se assemelhavam a situações idênticas, complementares e adicionais.
Encontraram-no na manhã seguinte. Já se haviam passado alguns dias, nem sei se semanas ou, digamos mesmo, meses.
Espanto atrás de espanto, foram desvendando de quem se tratava. Um homem de negócios, chefe de várias empresas, dono de um empório comercial e industrial invejável, conhecido no mundo da alta finança, rosto habitual em manchetes de jornais diários, comunicador apreciado nos meios intelectuais e políticos. Falava e encantava quem o ouvia ou os que com ele privavam.
Pai de quatro filhos, filho de pais especiais e núcleo central de uma família onde tudo girava à sua volta e tudo parecia em harmonia circular de acordo com a comunicação e o diálogo que sempre colocava nas suas relações.
Diz-se que contava com uma enorme multidão de amigos que se rendiam à sedução da
Diz-se que contava com uma enorme
multidão de amigos...
sua palavra e ao encanto da sua visão do mundo e do futuro. Não se submetia às crises nem ao imobilismo: movia-se em torno duma ideia nova ou dum projeto inovador. Se a luta era necessária víamo-lo na primeira fila, na linha da frente; se a negociação se impunha não a enjeitava, encabeçando um diálogo que tinha de dar frutos.
Um homem filho da comunicação e pai da arte de comunicar. Falava com os olhos, falava cm as mãos, com o rosto, com o corpo. Utilizava o sorriso como uma mensagem e o riso como um aviso, utilizava a gargalhada como um recado e as lágrimas como uma advertência, utilizava o silêncio como o matraquear dum teclado na folha em branco dum livro não começado ou duma palavra inacabada.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

ENGANO

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação
Julguei que tinha asas para voar

Julguei que era Mentira uma Verdade,
Tomei por Alvorada o Sol Poente;
Senti uma Certeza e fui descrente
E na Ilusão eu vi a Realidade!

Julguei-me caridosa e foi Vaidade
Na ânsia de ser outra bem dif´rente;
Orgulho eu o tomei por Humildade,
No fundo quis ser mais que toda a gente!

Julguei que tinha asas p´ra voar,
Que era capaz de altiva caminhar,
Levando como escudo a minha Dor!

Julguei que tinha Tudo sem ter Nada,
Pensei ter a Razão e estava errada,
Julguei que te odiava e era Amor!...    

Maria Celeste Salgueiro ©2014,Aveiro,Portugal
   

sábado, 17 de maio de 2014

O muro cego do poder

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação.


E o corpo é um barco ancorado a uma liberdade a perder-se…
Cruzam-se as palavras na noite comprida
Sem soletrar à alma que o mundo se esvazia pelas dobras das mãos…
Engolem-nos os sonhos
Caiem de cansaço
Estreitam-se amargas pelas paredes
Que os dias desluzem…
Gritam-nos dores persistentes
Entranhadas e abafadas na pele…
Muralham-nos os olhos
Vestem-nos de ruas sombrias
Peregrinos de esquinas encurtadas ao tempo…
Rotina que marca um silêncio mastigado…
Um despejo das garras dos abutres
Soterram-nos a palavra que dançava na garganta
O fulgor dos dias claros
Secam-nos as lágrimas
Emudecem-nos as palavras
Arrastam-nos já áridos por um rio a fugir-nos do rosto
E o corpo é um barco ancorado a uma liberdade a perder-se…

Somos o medo desmemoriado de Ser…

Rosa Fonseca ©2014,Aveiro,Portugal


domingo, 11 de maio de 2014

Isabel, a perfeita

No regresso a casa parara numa chocolataria para saborear o bolo de chocolate especial que tanto lhe agradava. Apesar da chuva que persistia em cair continuamente há uma semana, Isabel sentia-se iluminada por dentro. Tudo indicava que a sua vida seria finalmente uma viagem na autoestrada da fama com muitos sorrisos de reconhecimento, muitas manifestações de apreço. 
Sempre lutara por uma oportunidade. Como técnica com formação superior, não desejava apenas trabalhar de forma gratificante e profissional para si e para a empresa. Sentia que era
Sempre lutara por uma
oportunidade
um ser superior e um verdadeiro destaque era-lhe devido. Afável e carinhosa com todos os colegas, principalmente com os do seu departamento, ouvia muitas vezes os seus problemas, os seus desabafos… E como ela sabia ouvir! Sabia como ninguém dizer o que mais animava no momento, como ninguém, também se prontificava a sacrificar a hora do almoço para ajudar um colega a ir resolver um problema a um banco, ou a uma repartição pública. Algumas vezes chegava a acompanhar colegas ou amigos a consultas médicas para não se sentirem sós, especialmente se havia suspeitas clínicas de poder ser um caso mais grave.
Se a empresa necessitava de ir a uma feira internacional para auscultar o mercado para lançar um novo produto, naturalmente Isabel integrava o grupo. Reservada no agir profissional, chegava às reuniões de avaliação das viagens, na empresa, com observações muito pertinentes, com dados que só ela tinha observado. Brilhava perante os chefes.
Auto-estrada da fama
Aquela bondade espontânea, aquela competência profissional, aquela dedicação à empresa já lhe tinham conseguido alguns destaques: naturalmente fora ela a escolhida para ir para os Estados Unidos fazer uma especialização académica na área de gestão financeira; agora, tudo indicava, e ela tinha fontes credíveis, que seria ela a integrar o conselho de administração para substituir um membro incapacitado.
Finalmente iria trabalhar ao lado dos representantes diretos dos acionistas, iria trabalhar com pessoas que dominavam no mundo da política e da finança.
Por isso, permitiu-se aquela pausa tão íntima para saborear aquele chocolate celeste, ver em todos os espelhos do salão o reflexo do brilho interior que sentia emanar, antever o espanto e os aplausos com que a sua família sempre recebia as suas vitórias tão naturais e as suas conquistas tão merecidas.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ser ou não ser solidário

Vamos hoje dar inicio a um ciclo de publicações que denominámos –  Contradições do ser humano. Todos os que queiram colaborar podem enviar os seus trabalhos para os contactos do Evoluir que aparecem na página do blogue.


Começava o dia a acordar com aquela sensação horrível. Uma tempestade de chuva desvairada tocada por um vento sem destino que tudo arrastava. O barulho era ensurdecedor, estores, portas e tudo que abanasse faziam uma sinfonia completamente desafinada. Ainda na cama pensava:
Quantos não procuram um abrigo...
— Quantos não serão os que a esta hora resistem, procuram um abrigo, um plástico, a ponte ou o pontão mais próximo… A minha capacidade de ser solidário esfumava-se como o fumo que foge e se perde lá longe. E estava eu convencido de que era um ser solidário…
Arranjei-me e saí. Conduzia o meu automóvel com algum cuidado. A intempérie era assustadoramente violenta e podia atraiçoar o mais atento. De rádio ligado ouvia notícias nada animadoras sobre o que estava a acontecer por todo o país. O trânsito aumentava a todo o momento, congestionando a estrada — autêntica ribeira — que para alguns continuava a ser a pista de velocidade do dia-a-dia. Alguns quilómetros volvidos e na berma da estrada alguém me pedia boleia. A péssima aparência da pessoa amedrontou-me e hesitei entre o travar e acelerar. E, seguramente, passei por aquele homem de cabelos compridos, completamente encharcado, com a consciência a encontrar os habituais medos de circunstância: e se fosse um gatuno? Não, dar boleia não, o seguro não contemplaria qualquer acidente… nestas alturas temos que ser racionais… O meu egoísmo protegeu-se por inteiro, a minha pessoa não protegeu ninguém.
Era agora ultrapassado por uma ambulância do INEM que seguia atrás de um carro da
Ser solidário
mesma organização. Mais alguns quilómetros e lá estava um brutal acidente. Parei mais à frente e decididamente fui inteirar-me da dimensão da tragédia. Um carro desgovernado veio embater num outro, que seguia em sentido oposto, tendo ficado ambos abraçados numa medonha amálgama de latas. Foi uma ambulância com uma senhora, depois outra com um rapaz, ainda novo, uma outra com um homem calvo muito mal tratado, enfim, uma tragédia lavada e agravada pela forte chuva que teimava   em continuar.
Perto de mim alguém chorava quase sem se notar. Era um choro sofrido de angústia que vinha lá muito do íntimo de uma senhora que já não era criança e que ali junto à estrada anonimamente se limitava à única coisa que lhe restava: chorar.

domingo, 4 de maio de 2014

DIA DE ANOS

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação



Hoje fazias anos, minha Mãe!
Se ainda fosses viva, que alegria!
Um ramo todo em rosas te daria,
Um ramo igual a tantos que te dei!

Mas as coisas não mudam, bem o sei
E estar a imaginar o que faria,
É como pôr mais fogo na agonia,
Neste desgosto imenso que eu calei.

Hoje fazias anos, é verdade
E eu só posso ofertar-te esta saudade,
Esta minha afeição amargurada.

Por tudo o que me deste ainda em vida,
Neste dia, minh´alma agradecida,
Te diz: Oh! minha Mãe, muito obrigada!

Maria Celeste Salgueiro©2014,Aveiro,Portugal

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