quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Afeição pelos animais

Numa aldeia, humilde como tantas outras, vivia uma criança, franzina e pequena para a sua idade, de seu nome Lídia.Como os pais eram lavradores pobres, ela não tinha tempo de brincar como as outras crianças.
Foi para a escola, mas pouco tempo; tudo o que aprendeu foi porque tinha mesmo muita
A família vivia com
grandes dificuldades
curiosidade e procurava quem lhe explicasse. E como ela tinha vontade de saber mais e andar mais tempo na escola como os outros meninos!
A família vivia com grandes dificuldades; lavradores, com muitos filhos, comendo só o que a terra produzisse e mesmo assim era pouco.
Tinha oito irmãos mais novos que ela. Ajudava os pais no que podia, mas tão pequenina era, que pouco ajudava.
Como referi, andou pouco tempo na escola e logo teve que se fazer à vida, para ajudar no sustento dos irmãos. Mesmo assim aprendeu a ler e a escrever, não se esquecendo das histórias do livro da terceira classe, porque as achava bonitas e também não teve ninguém que lhe ensinasse .Ensinaram-lhe sim, a fazer os trabalhos dos adultos.
Os pais puseram-na a morar, ou seja, ela foi viver e trabalhar para casa de outros lavradores para se sustentar e angariar mais alguma coisa para os irmãos.
Qual era o trabalho desta criança que tinha apenas dez anos, ou menos?
Ela sonhava ser como as outras crianças que andavam na rua a brincar à macaca, a saltar à corda, enfim, brincadeiras que todos gostavam.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Livre como os pássaros que me habitam

Vamos hoje dar inicio a um ciclo de publicações que denominámos - Relação entre o homem e o animal. Aproveitamos para convidar todos os que queiram colaborar para o fazerem, na medida em que ainda estão a tempo de remeter os vossos trabalhos para os contactos do Evoluir que aparecem na página do blogue.


Olhos castanhos profundos, pele muito bronzeada, contrastando com os seus cabelos muito louros, postura descontraída de quem observa: menino quase homem, homem ainda menino a interrogar o sentido da vida que já pressente muito diferente de todos os seus sonhos de criança.
Rui estava a passar o fim daquele dia de verão, que queria ficar lembrado pelo calor excessivo, à beira da piscina. O vento fora sempre quente, parecendo soprado de uma enorme fornalha. Tinha sido um dia de muitos mergulhos, muita conversa com os amigos, com desconhecidos e família. Dentro de água, as pessoas riem sem saber bem de quê, conversam como se todos se conhecessem, irmanam-se como se tivessem de vencer num só mergulho toda a timidez a que a rotina de um ano de trabalho obriga.
Ao longe, estendiam-se campos, onde pontuavam algumas manchas verdes de árvores de copas largas e folhas abundantes.
Os pássaros tinham ali um refúgio natural. Não tardaria, começariam a esvoaçar para se refrescarem numa pouca de água, procurarem alguma comida e ficarem tranquilos para passarem a noite.
Ele reconhecia o canto de todas as espécies da região. E os seus olhos expressivos iam pousando nas pessoas que se haviam aquietado: o regresso a casa estava iminente. Naquele silêncio conjugador de efabulações, naquela dormência gostosa de fim de tarde, Rui fixava uma pessoa e logo ela se punha a esvoaçar… A determinada altura, o recinto da piscina era um tumulto de sons dissonantes: o entorpecimento, em que se aquietara, fizera-o transformar a piscina num riacho onde as pessoas passaram a ser pássaros que se refrescavam alegremente depois daquele dia de calor intenso.
Quando ouviu a voz da mãe, abriu os olhos e sorriu. Muitas pessoas já tinham partido. Em casa esperava-o uma tarefa rotineira: ele e o pai tinham de cuidar dos muitos pássaros que possuíam.
O Rouxinol do Japão
Havia o viveiro dos pequenotes, assim chamado por nele habitarem pássaros de pequeno porte, como o Pintassilgo, o Dom Fafe, o Verdilhão, o Rouxinol do Japão, ou o Canário Arlequim Português.
A Catatua de Crista Amarela estava bem representada noutro viveiro: aves com um grande sentido gregário entre si, estabelecem também relacionamento rápido com os seres humanos, deixando-se domesticar.
Por ouvir o pai e por investigação autónoma, o Rui era já um conhecedor de aves, pelo menos esclarecido.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A procissão

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


A procissão - Angeja, 1973
Está quase chegando à Igreja, de passagem pela Praça, centro cívico da Vila, onde fez mais uma pausa, para os devotos colocarem uma nota - de valor pecuniário, com um alfinete sobre uma das fitas que esticadas descem das pontas do manto da padroeira até à base do andor, - passando de seguida por baixo do mesmo, como complemento da promessa; ao lado, de opa branca como as demais, que as vermelhas já passaram com os estandartes e pendões, um mordomo de bandeja na mão estende-a aos que a veem passar, juntando mais umas moedas que complementarão o estendal de notas, das mais variadas, de pequeno e grande valor, nacionais e estrangeiras, estas daqueles que, emigrados, regressaram para férias. A Banda de Música da Vila em festa, está ainda tocando a sua vez, depois de o ter feito a Banda convidada vinda de fora, como tocando estão os sinos da Igreja; colchas e colgaduras qual delas a mais vistosa pendem das janelas, e no ar que se respira, há um cheiro a carne assada - matou-se a cabra para a festa (1) - saindo ele também pelas janelas das cozinhas, misturando-se com o cheiro que evola, da erva doce que atapeta a rua - escorregadia de paralelipípedos de granito polido - esmagada pelos calcantes de todo este cortejo, até ao pálio que cobre o Pároco local, e um padre convidado que veio para a missa; agora, também um cheiro a incenso, saído do turíbulo fumegante que um acólito transporta. A Banda de fora acentua o ritmo de marcha, com o tré, tré, tré, trr..é, na tarola do músico ao lado do que toca o bombo, e este a dado passo, dá dois toques na pele esticada e redonda, que outrora também de cabra foi, e a música irrompe uma vez mais; atrás o povo caminha, mais mulheres que homens, e muitas destas vão descalças, algumas vão de costas para a frente, agarradas por uma de cada lado, em penitência como que contando os passos, que a Igreja está mesmo ali à vista, e já estralejam foguetes.

(1) Aqui não posso esquecer o desfile do rebanho, chocalhando pelas ruas ainda poeirentas da vila, em semana de festa, fins dos anos cinquenta, para serem vendidas porta a porta, e mortas para o almoço do domingo de festa.
Nota: Texto escrito pelo autor em 19 de Julho de 2011
                                                                      Manuel Oliveira Costa©2014,Aveiro,Portugal

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A tradição já não é o que era!

Era uma vez, uma velha, muito velha que contava uma história sobre uma sociedade de recreio que existiu em Lisboa, designada BPN — Bando de Palhaços Notáveis. As práticas
Era uma vez uma velha, muito velha
de gestão fraudulenta tinham sido tantas que o assunto acabou por ser debatido numa assembleia extraordinária. O presidente da assembleia era, na altura, um jurista muito conhecido naquele tempo que dava pelo nome de Marinho Tinto. Muitas e complicadas histórias se contavam em plena rua de falcatruas e desmandos que implicavam principalmente quatro elementos que detinham lugares de destaque ou ocupavam posição de relevo nacional. Depois de abertos os trabalhos, Marinho Tinto, homem sem papas na língua, disse que estavam todos fartos de boatos e maledicências e havia que esclarecer tudo interrogando os perseguidos para dizerem de sua justiça. Dirigiu-se a um tal Videira e Costa que era há muito tempo o administrador de serviço.
— Então o Sr. tinha poderes para pôr em prática as medidas arbitrárias que tomou?
— Ó Sr. doutor, obviamente que sim. As atas estipulam tudo.
— Bem… O Sr. Manuel Dias Toureiro, que nos pode contar sobre aqueles negócios…
— Sr. doutor, eu não tenho nada a ver com isso. Esses negócios foram todos feitos por ele. E apontava o dedo para o tal Videira e Costa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

MILAGRE

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação





Passaste e eis que um sopro de magia
Passou tambem contigo e tudo encheu;
Teve mais brilho o brilho da alegria,
Tornou-se mais azul o azul do céu!

Na luz dessa manhã triste e sombria
Não sei quem tantas luzes acendeu!
No ar vibram murmúrios de poesia,
Um estranho milagre aconteceu!

Não sei o que em verdade se passou,
Como tudo num instante se mudou
Só porque tu passaste,meu amor!

Vejo tudo dif´rente e renovado…
E até na humildade do valado
Há pérolas de orvalho em cada flor!

Maria Celeste ©2014,Aveiro,Portugal

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A Voz do Silêncio

Com este trabalho encerramos o Ciclo denominadoViolência sobre o ser humano” que temos vindo a desenvolver: agradecemos a todos os que connosco quiseram colaborar.


Os olhos desmedidamente abertos, um esgar de pavor, enrolada sobre si mesma, os pés quase tocando a boca e o olhar perdido do rafeiro acossado pelo bater da porta, ou por um passo forte que se adivinha e se ausenta.
Corria sentada...
Corria sentada, revirando a cabeça de um lado para o outro, à procura de alguma coisa, ou de alguém, ou de nada, ou com medo de ser notada, de ser encontrada, de ser achada.
Permanecia imóvel na soleira da porta, encostada à parede como se quisesse fugir para dentro dela e um turbilhão de medos acossava-a. O medo, sempre! Sem saber o que fazer, sem saber para onde ir ou onde ficar. O medo tornara-se um amigo presente, uma ideia de fugir e uma vontade de ficar, um querer esconder-se, um desejo de se dissolver numa nebulosa onde pudesse recomeçar: de novo!
Receava que a vissem, que não a vissem, que fosse notada, que ninguém a encontrasse no vão daquela escada, que alguém subisse ou que descesse… Receava viver e tinha medo de ter de morrer!
Se o sol aparecesse… não, melhor é o escuro da noite, quando as sombras vagueiam e os rostos se calam. E pedir ajuda estava fora de questão: a vergonha de dar a conhecer a cara magoada, as nódoas negras, o sangue escorrendo daquela ferida no peito, o cabelo desgrenhado, aquele pedaço que lhe fora arrancado…
Sabe-se impotente, acusa-se de tudo por que passam os seus filhos, julga-se responsável
E aquele silêncio...
pelo sofrimento deles. Inunda-a uma dor imensa, sem medida nem peso, sente que perdeu completamente a capacidade de reagir, de falar, de gritar, de se revoltar contra a vida em que se enredou e se envolveu nela, como um casulo se envolve na sua teia. E aquele silêncio que se impõe a si mesma e a impede de abrir a boca e gritar!
Os amigos, que sempre a avisaram, as crianças que continuavam lá em cima e que, indefesas, nem sabem o que fazer, a ansiedade de as ver, de as abraçar, de lhes sorrir mesmo na tristeza do seu olhar. O melhor mesmo era subir as escadas e voltar para aquela casa: talvez ele já estivesse a dormir, talvez se lhe desse um beijo, talvez se lhe fizesse aquela comida especial, talvez…

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A violência e a vida

Maria era muito jovem quando casou, enamorada e confiante. O João era meigo, gentil e prometia ser um bom marido. Ela queria sair de casa dos pais; o seu pai era bom homem mas bebia e em resultado disso batia e maltratava a mulher e os filhos. A mãe achava normal e sofria calada, mas Maria não entendia essa violência e queria uma vida melhor para si.
Casou e foi para uma pequena casa com o marido; ela trabalhava em costura e o João na fábrica.
Levou a primeira bofetada 
Depressa descobriu que o casamento afinal não era o que tinha pensado e desejado. Levou a primeira bofetada do marido três meses depois de ter casado, porque, para acabar um trabalho de costura, atrasou o jantar. O João pediu desculpa, que estava nervoso, o dia tinha corrido mal, não voltava a acontecer; ela aceitou e sentiu-se ainda um pouco culpada por ter provocado, com o seu atraso, aquela reação.
Aquela agressão foi a primeira de muitas. Estava grávida de seis meses quando entrou pela primeira vez no hospital, vítima de um espancamento que pôs em risco a sua gravidez. Por vergonha e medo negou que tivesse sido agredida e, depois de dois dias de internamento, teve alta para regressar a casa.
Não tinha ninguém a quem confiar o seu sofrimento, a sua dor, sentia-se desesperada, desamparada e com um medo horrível de chegar a casa.
Resolveu passar por casa da mãe.
Mãe, preciso de ajuda...
Chorou agarrada à mãe, pediu-lhe ajuda, não queria ficar em casa com o marido. Tinha medo e temia pela vida do filho que estava em risco. A mãe chorou com ela mas disse-lhe que o lugar dela era em casa, que não respondesse quando o marido estivesse a implicar, as mulheres sempre tiveram uma vida sofredora, que era assim mesmo.
— Mas mãe, ele não tem o direito de me bater. Só te peço que me deixes ficar aqui até eu resolver o que fazer.
— Não Maria, não pode ser, até era uma vergonha se deixasses a tua casa. O que queres ser? Uma mãe sem marido? Ter um filho sem pai? Tem paciência filha, mas aqui não podes ficar, nem o teu pai o permitia.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

COMEÇAR DE NOVO

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação


Hoje escreverei sobre a violência ao contrário. Dos heróis que dela se elevam. E há muitos por esse mundo fora, enchendo livros de histórias que nos tocam, inundando a televisão de imagens que nos emocionam, primeiro por pena, depois por raiva, e no fim por orgulho, porque são heróis e a violência que os chagou ficou lá atrás. Bravos, eles. Bravas, elas.
...violência também pode ser  um acto
solitário
Mas eu não conheço o mundo e não quero contar uma história criativa. Hoje quero ser a palavra prática e falar-vos dos heróis que tive a honra de conhecer, aprender, tocar e abraçar, sim, eu já abracei um herói - quem disse que o mundo não nos pertence?
Não sei se concordarão da minha opinião, mas violência também pode ser um acto solitário, involuntariamente sádico, sem que o agressor se aperceba à primeira vista que se inflige de dor: primeiro começa por precisar de um escape, e usa o seu corpo, depois a sua mente habitua-se passando ela a comandar as rédeas do seu corpo, e zás, já passou a vítima, já se violenta todos os dias, mais do que uma vez por dia, e aqui não há entidade, ou pessoa, que possa resolver este acto de violência antes da vontade do próprio agressor.
Como se prende a mente alheia?
Como se comanda a mente alheia?

sábado, 1 de fevereiro de 2014

OS HOMENS DE DANIELA - UMA HISTÓRIA QUASE REAL

EVOLUIR agradece ao autor o envio deste texto para publicação



Daniela, jovem brasileira, morena e de cabeleira leonina, fora casada com Jair, durante 10 anos.
Natural de S. Paulo, era filha de portugueses, emigrados há vários anos no Brasil.
Daniela tinha conhecido Jair numa mercearia de bairro, perto de sua casa. Ele era o filho
onde vendiam bacalhau seco e salgado
único dos donos da loja onde vendiam, entre muitas coisas, produtos importados genuinamente portugueses, como o bacalhau seco e salgado, a morcela, o azeite,  o queijo da Serra e o vinho fino do Douro…
Sendo oriunda de uma modesta família, aos 18 anos, terminados os estudos liceais, Daniela pensou em começar a trabalhar, pois queria ter alguma autonomia financeira. Sonhava ser “balconista” ou “secretária”. Toda entusiasmada, começou a procurar trabalho em diversas lojas, escritórios e restaurantes. Não foi fácil. Mas foi na mercearia do Sr. Santos, pai de Jair, que conseguiu emprego como balconista, pois a anterior empregada tinha sido despedida. E o Sr. Santos, o patrão que entretanto enviuvara, já sentia alguma dificuldade  em tomar conta de tudo, apesar da ajuda do filho, que não quisera ser “engenheiro” ou “doutor” como o pai sonhava.
Daniela sentia medo
O Sr. Santos gostou dos modos cativantes da menina Daniela. Pensou que seria uma boa aposta contratá-la para ajudar no atendimento ao balcão. E Daniela aceitou as condições oferecidas. Jair, o filho, ocupar-se-ia da “escrita” e dos contactos com os fornecedores.
Passado pouco tempo, o patrão começou a assediar a nova empregada com propostas inconvenientes. Daniela, que ainda não conhecera homem, sentia medo. Medo, por várias razões. Principalmente por perder o emprego, pois considerava-se bem paga para aquilo que fazia. Já tinha sentido na pele a dificuldade em arranjar trabalho. E, além disso, gostava daquele contacto diário com a clientela. Alguns clientes tratavam-na carinhosamente por “Minina”.
Daniela, sempre afável, solícita e risonha para com toda a gente, já tinha feito aumentar a clientela e os rendimentos da mercearia.
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